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Ter uma caixa de remédios em casa é um direito da pessoa em cuidar da própria saúde. Mas será que usamos corretamente?
| Foto: Bigstock

A pandemia da Covid-19 já pode ser considerada uma crise sem precedentes em nossa história. De fato a doença vai ter uma evolução muito ruim como muitos advogam? Os números falarão por si sós. Não sabemos se será pior aqui no Brasil do que em outros países, mas, a julgar pelas estatísticas declaradas até o momento, teremos muitas mortes. Até que ponto, no entanto, a estatística e os modelos matemáticos podem predizer a morbidade e a mortalidade de uma determinada doença? A julgar por outros cenários clínicos que estamos acostumados a enfrentar, os modelos matemáticos são falhos e em muitas situações negligenciam variáveis que surgem na evolução de uma doença. E que variáveis seriam essas? Novas medicações sendo pesquisadas e utilizadas em ensaios clínicos ou de forma isolada na prática clínica.

E por que temos de nos manter confiantes a despeito do avanço da Covid-19? Muito embora não haja, até o presente momento, nenhuma medicação recomendável para uso irrestrito contra o coronavírus e que seja aprovada pelos órgãos reguladores de saúde no Brasil, Europa e Estados Unidos (FDA), algumas medicações vêm sendo utilizadas com bons resultados. Em estudos clínicos no geral, nós, pesquisadores e médicos, utilizamos bastante um jargão: “essa medicação (ou tratamento) não tem evidência científica”. Isso quer dizer que a comunidade científica não recomenda o uso de uma medicação que não tenha sido validada em estudos clínicos. Não que a evidência científica seja fora de propósito para o problema que agora enfrentamos (e não é fora de propósito para nenhum problema clínico), mas há de se considerar algumas questões.

Em primeiro lugar, a ausência de evidência científica não quer dizer necessariamente a não evidência da eficácia de uma medicação. Isso porque, para se provar a evidência, são necessários vários estudos e não temos tempo hábil no momento para os realizar. O melhor exemplo disso são tratamentos alternativos (não convencionais) utilizados em medicina que não têm evidência, mas que vemos, na prática, que funcionam. Isso dito, não quero dizer que devemos ser irresponsáveis e sugerir que as pessoas utilizem medicações que elas bem entenderem e sem critério – não! Essa não é uma prática recomendável.

No entanto, um cenário animador começa a se desenhar em relação ao tratamento da Covid-19 – e reforço aqui que o que direi não é uma recomendação médica, mas sim resultados de ensaios clínicos, trabalhos científicos isolados, bem como de anedotas de colegas médicos, que têm utilizado algumas medicações, com resultados para lá de animadores. Nesse particular, algumas substâncias têm sido estudadas, tais como a cloroquina, a hidroxicloroquina (com ou sem azitromicina) e o remdesivir, dentre outras.

A renomada revista Science, na última sexta-feira (19 de março), publicou que a Organização Mundial de Saúde iniciou um megaensaio clínico chamado “Solidarity” (“solidariedade”, em inglês) no tratamento da Covid-19, em um esforço mundial de pesquisa clínica jamais visto em nossa história, envolvendo 12 países e centenas de milhares de pacientes. Tais medicações estudadas podem não só curar ou amenizar a doença, bem como hipoteticamente prevenir que outras pessoas de risco e trabalhadores da área de saúde possam adquirir a Covid-19. Falaremos um pouco sobre três medicações em particular.

Cloroquina e hidroxicloroquina (com ou sem azitromicina): A cloroquina é uma medicação descoberta em 1934 e que tem sido utilizada no tratamento da malária. É um potente anti-inflamatório utilizado no tratamento do lúpus e artrite reumatoide. A hidroxicloroquina é uma medicação derivada da cloroquina, embora com menos efeitos colaterais e atividade antiviral maior que a cloroquina. Testes in vitro (em laboratório) foram muito animadores com a cloroquina e hidroxicloroquina, levando às pesquisas in vivo (com humanos), com resultados preliminares igualmente animadores. Os medicamentos funcionam diminuindo a acidez nos endossomos, compartimentos dentro das células que os vírus usam para ingerir material externo e, portanto, se replicarem.

Até o momento em que escrevo, existem 23 estudos acontecendo sobre hidroxicloroquina ou cloroquina e Covid-19 na China (dados não publicados e que, portanto, não podem ser avaliados). Há ainda uma recomendação holandesa e outra de um centro na Itália que corroboram a eficácia das referidas medicações em casos leves, moderados ou graves (embora também não tenham sido publicados). Tanto nos estudos chineses quanto nos protocolos holandeses e italianos, há o relato de diminuição da progressão da doença, bem como diminuição do tempo de sintomas. Além disso, em um estudo publicado por Gautret e colaboradores, 20 pacientes receberam hidroxicloroquina associada à azitromicina e 16 pacientes foram os controles (não receberam as referidas medicações). Ao fim de seis dias de avaliação, os pacientes tratados com a medicação tiveram uma importante redução da carga viral (quantidade de vírus) comparada aos não tratados. Embora haja bastante crítica sobre a metodologia empregada no estudo, diversos relatos de colegas que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva aqui no Brasil e em outros países têm confirmado uma excelente resposta clínica com a utilização da hidroxicloroquina (casos também não publicados).

Remdesivir: Originalmente criado para o tratamento do ebola, tal medicação impede a replicação do vírus. Falhou no tratamento do ebola, mas em 2017 pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte mostraram em tubo de ensaio e em animais que a droga poderia inibir os coronavírus.

O primeiro paciente com Covid-19 diagnosticado nos Estados Unidos recebeu Remdesivir quando sua condição piorou, obtendo melhora no dia seguinte, de acordo com um relato de caso no The New England Journal of Medicine (NEJM). Um outro paciente, da Califórnia, e que os médicos julgavam talvez não sobreviver, também recebeu Remdesivir, recuperando-se de situação grave. É claro que são relatos de casos e carecem de comprovação científica, mas já é um alento.

Embora a evidência científica seja inexistente até o momento, a partir dos medicamentos do estudo Solidarity, “o remdesivir provavelmente terá o melhor potencial para ser usado em situações clínicas”, diz Jiang Shibo, da Universidade de Fudan, que trabalha há muito tempo com coronavírus e relata que altas doses da medicação podem ser administradas sem causar toxicidades. No entanto, é um medicamento caro e que só pode ser administrado na veia, limitando um pouco o seu uso quando comparado com a cloroquina e hidroxicloroquina, medicações de mais baixo custo.

Vários outros medicamentos estão sob investigação em ensaios clínicos ou estão sendo considerados para ensaios clínicos de profilaxia ou tratamento da Covid-19 nos Estados Unidos e no mundo.

Como médico e pesquisador, não posso afirmar que a cura foi descoberta; não temos embasamento científico para isso. Mas acredito estarmos caminhando para dias melhores. Confesso a todos que, em todos esses anos de vida médica e como pesquisador também, nunca vi um esforço conjunto tão grande, de nível mundial, da comunidade científica e autoridades para resolver uma pandemia. Isso é excelente, sem precedentes, e um caminho sem volta na condução de problemas semelhantes que no futuro surgirão. Muitas pessoas sensibilizadas e mobilizadas em um único e grandioso objetivo: restabelecer a paz mundial. Sim! A guerra contra a Covid-19 tem novas armas e essas armas são bastante animadoras.

Bruno Lima Pessôa é neurocirurgião, doutor em Neurociência, professor da Universidade Federal Fluminense e membro do Núcleo de Medicina dos Docentes pela Liberdade.

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