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No mês passado, quando o líder da oposição venezuelana, Juan Guaidó, foi brevemente detido pelos agentes de inteligência de Maduro menos de 48 horas depois de se autoproclamar o novo presidente interino do país, muitos viram nisso uma familiar tática de assédio político, desta vez parecendo uma operação realizada ao estilo de um outro governo – mais precisamente, como o regime cubano.

Durante muitos anos, cidadãos e figuras políticas venezuelanas têm vindo a protestar, com manifestações verbais e diretas, contra o que suspeitavam ser uma interferência profundamente política do governo cubano nos assuntos internos do seu país.

Em novembro do ano passado, o Instituto Casla apresentou um relatório que registrou pelo menos 190 casos de tortura cometidos por forças governamentais apenas em 2018. Este instituto garante ter provas de pelo menos 11 casos em que os torturadores, descritos pelos cidadãos, tinham sotaque cubano. Durante um discurso em uma conferência sobre violações de direitos humanos realizada em dezembro do mesmo ano, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, denunciou a participação da inteligência cubana em atos de torturas e repressão na Venezuela. “Estima-se que existam cerca de 46 mil cubanos na Venezuela”, afirmou Almagro. “Uma força de ocupação que ensina a torturar e reprimir, que realiza serviços de inteligência, identificação civil e migração.”

A ajuda venezuelana tem sido fundamental para evitar um colapso completo da fraca e centralmente planejada economia cubana

Apesar de muitos desses cubanos que se encontram atualmente trabalhando em território venezuelano serem simples profissionais da saúde ou professores, que atuam no país como parte de vários convênios entre ambas as nações, a OEA estima que grande parte desses efetivos integra organizações militares e de inteligência cubanas, e que os mesmos colaboram em várias áreas institucionais do regime de Maduro.

De acordo com Rocío San Miguel, presidente da Control Ciudadano, ONG venezuelana dedicada a assuntos militares, o governo de Cuba “tem tido uma interferência completamente imprópria” em cinco áreas-chave do governo venezuelano: registros e notários; identificação e imigração; organização da Polícia Nacional Bolivariana; participação em órgãos de inteligência e contrainformação; e presença dentro das Forças Armadas Nacionais.

Segundo a BBC, o especialista assegura que Cuba interveio diretamente na reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), bem como na elaboração das cinco reformas de sua Lei Orgânica. “Não temos números, mas temos testemunhos de militares que descreveram a presença cubana em diferentes momentos e em diferentes espaços dentro das FANB. Tanto em reuniões para o desenho do conceito estratégico-militar como na presença de civis que realizam trabalhos permanentes em instalações militares e que, em tempos de crise, estão claramente dispostos a assumir os chapéus de seus combatentes. Essa é outra das funções que desempenham”, explica Rocío San Miguel.

Leia também: Cuba, Venezuela e exclusão social (artigo de José Pio Martins, publicado em 1.º de março de 2018)

Leia também: Maduro quer ver seu povo passando fome (editorial de 22 de fevereiro de 2019)

Durante décadas, a ajuda venezuelana tem sido fundamental para evitar um colapso completo da fraca e centralmente planejada economia cubana. Manter um governo em Caracas que conserve fortes laços entre ambas as nações e a sustentação dessa ajuda é um objetivo essencial do regime dos Castro. Décadas de experiência, conhecimento e uma extensa lista de aliados permitiram a Cuba operar internacionalmente com uma tremenda eficácia e de uma forma quase imperceptível, quando necessário.

Em 1991, após a dissolução da União Soviética, Cuba se fundou na necessidade urgente de buscar novos aliados econômicos e políticos. A economia da ilha socialista desmoronou sem a ajuda de seus principais parceiros soviéticos. O governo chamou essa era de “Período Especial”, e (entre muitas outras coisas) os cubanos sofreram com rações alimentares extremas e apagões diários de eletricidade, uma situação que forçou milhares de cidadãos a fugir da ilha em balsas.

Quando Hugo Chávez tentou um golpe de Estado na Venezuela em 1992, Fidel Castro estava entre muitos dos líderes globais que o denunciaram. Naquele período, Chávez não mostrava nenhuma evidência de apoio à ideologia marxista-leninista que Cuba defendia, nem pretendia ser um simpatizante dos regimes autoritários de esquerda da região. Mas, assim que Chávez foi libertado da prisão, dois anos depois, foi convidado a ir a Havana, momento em que a aliança de interesses entre os dois países começou a crescer. Chávez descobriu em Castro um “herói vivo” que tinha todas as ferramentas para dar legitimidade política à sua revolução. E Castro encontrou nesse militar idealista (que logo seria o presidente do país das maiores reservas de petróleo do mundo) o aliado perfeito em seus esforços para estabilizar a economia cubana.

Durante seus 14 anos de governo, com o apoio dos Castro, Chávez gozou de um poder quase absoluto

No início dos anos 2000, Castro e Chávez anunciaram vários acordos que tiraram Cuba das profundezas de sua catastrófica crise econômica com generosos carregamentos de petróleo subsidiado, o que fez com que Cuba recebesse um acesso premium às maiores reservas de petróleo do planeta, em troca do envio de médicos, professores, assessores de inteligência e assessores militares. Durante seus 14 anos de governo, com o apoio dos Castro, Chávez gozou de um poder quase absoluto graças ao controle que exerceu sobre cada uma das instituições que deviam ter imposto limites ou exigido transparência, seja nos tribunais ou na legislatura. Ele também dispôs das arrecadações petrolíferas da Venezuela como desejava. Hoje não há dúvida de que deixar os cubanos entrarem no país era uma das expressões mais fortes desse poder absoluto.

Mas, em 2011, Chávez foi diagnosticado com câncer. Isso mudou as regras do jogo para ambas as nações. A razão pela qual ele optou por buscar uma cura em Cuba era óbvia, pois era o único lugar em que ele confiava não só para tratá-lo, mas também para ter absoluta discrição sobre sua condição crítica. Sua dependência de Havana se aprofundou com a progressão de sua doença. Em sua última aparição na televisão, com sua situação de saúde piorando, Chávez disse a seus seguidores venezuelanos para fazerem de Maduro, então vice-presidente, seu sucessor. Nos meses seguintes, a Venezuela foi governada “remotamente”. Vários decretos com a assinatura de Chávez emanaram de Havana, mas ninguém parecia saber realmente da sua situação. Em 5 de março de 2013, a morte de Chávez foi finalmente anunciada, e havia apenas duas coisas das quais se tinha certeza: que Maduro seria o novo líder da Venezuela; e que ele carregaria a herança dos fortes laços da Venezuela com a profunda influência castrista na nação.

Hoje sabemos qual foi o resultado de toda uma história de jogos de poder entre ambas as nações; a catástrofe que destruiu a vida de milhões de venezuelanos fala por si. Inevitavelmente, apesar da atual situação desastrosa do país, essa incestuosa relação cubano-venezuelana se manteve. E o regime de Maduro vem aumentando seu compromisso com uma estratégia de sobrevivência tirada diretamente do livro de jogos de Castro: para manter o poder, amplia sua dependência da censura e da repressão, sem contar quantas vidas de seus próprios cidadãos destroem no processo.

Jorge C. Carrasco é jornalista cubano radicado no Brasil.
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