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Vias calmas – uma análise crítica

"Correndo menos Curitiba chega na frente" é o slogan que dá identidade às vias calmas. Recentemente, um pichador teve sua frase ironizada e talvez imortalizada, pois na tentativa de criticar a Copa do Mundo defenestrou a Word Cup ("Copa da Palavra") em vez da World Cup. Em tempos de Copa do Mundo o slogan seria traduzido como Running less e não Running slowly. Um velocista da prova de 100 metros atinge 40 km/h para aproximar-se da marca de dez segundos, enquanto um maratonista precisa manter-se na média de 20 km/h para aproximar-se das duas horas nos 42 km. O velocista corre "menos" que o maratonista, porém no dobro da velocidade. "Menos" é diferente de "mais devagar". Na "Word Cup", Curitiba marca gol contra! Analisemos ponto a ponto:

Compartilhamento: não há novidade alguma, pois conforme a própria sinalização vertical (placa) os pedestres estão na calçada em um plano superior (onde sempre estiveram); e os veículos (leves, pesados, motorizados e não motorizados), no leito carroçável da via, onde sempre estiveram. A placa reproduz o que a lei sempre disse. A separação física entre bicicleta e automóvel que aparece na placa não existe na via. Ainda assim, seria compartilhamento das faixas, e não da via, pois o pedestre não compartilha na calçada, nem o ônibus na canaleta.

Leia a opinião completa de Marcelo José Araújo, advogado e professor de Direito de Trânsito, é presidente da Comissão de Trânsito, Transporte e Mobilidade da OAB/PR.

Curioso que Curitiba, sempre referência em termos de planejamento urbano e desenvolvimento, não foi capaz, até o presente momento, de incorporar adequadamente, com visão de futuro e ousadia, a bicicleta como opção de mobilidade. Igualmente curioso é observar como as recentes iniciativas, implantadas e anunciadas pela prefeitura, já provocam reações adversas de gente que não quer largar dos preconceitos e nem do volante.

Quando falamos da necessidade de implantar espaços seguros para a bicicleta e colocar o pedestre como referência no planejamento, fazemos uma declaração de amor à cidade. A bicicleta é um vetor de ocupação do espaço que trará as pessoas às ruas, facilitará às novas gerações a descoberta da história da cidade, da geografia, dos rios e da vida urbana como um todo.

Deixar o carro para as verdadeiras necessidades é crucial. Precisamos entender isso e garantir as prioridades já estabelecidas pela lei da mobilidade urbana: prioridade do não motorizado sobre o motorizado; do coletivo sobre o individual.

Em Curitiba, a rede inicial de ciclovias, idealizada nos anos 1970 pelo então prefeito Jaime Lerner, foi um primeiro passo que, infelizmente, não teve continuidade. O sistema trinário, formado pelas vias rápidas que correm paralelas às estruturais, envolve a Avenida Sete de Setembro com suas três pistas -- canaletas e vias lentas e as vias rápidas da Visconde de Guarapuava e Silva Jardim. O motorista, com pressa, que siga pela Visconde de Guarapuava ou pela Silva Jardim. Na via lenta, a calma é a tônica.

Inserir as bicicletas nas vias lentas é o caminho natural para criar uma rede de acesso à cidade, integrando aos poucos a bicicleta com o próprio transporte coletivo, com bicicletários nos terminais, com as futuras bicicletas compartilhadas e com as redes cicloviárias dos bairros. Não queremos apenas a Sete de Setembro como Via Calma, mas também a República Argentina, a João Gualberto, a Padre Anchieta e as demais estruturais. Precisamos urgentemente tornar a bicicleta uma opção segura para a população. Criar essas estruturas irá induzir o uso de um modal que favorece a autonomia, a saúde e a ocupação cidadã do espaço público; melhora o trânsito e o ar que respiramos; dessa forma, deve ser entendido como política transversal de mobilidade, saúde, segurança e meio ambiente.

Os urbanistas que defendem essas iniciativas vão desde a nova geração de pesquisadores que está pensando a cidade até aqueles que colocaram Curitiba no mítico panteão das cidades inovadoras. Jaime Lerner, Carlos Ceneviva e Manoel Coelho, para citar apenas alguns, são dessa outra geração, que não pedala, mas entende a importância da bicicleta para a vida das cidades. Todos defendem as vias lentas como espaços que devem ser compartilhados.

O mais importante disso tudo talvez seja a discussão que se coloca sobre a mortandade no trânsito. Ano passado, no Paraná, foram 2.618 mortos e mais de 55 mil feridos. Precisamos reafirmar a discussão sobre morte zero no trânsito e, para que isso não seja apenas uma utopia, precisamos de políticas públicas que acalmem o trânsito nas cidades. A Via Calma é exemplo de ação que fortalece essa discussão. Isso não é apenas sobre bicicletas, é sobre uma nova forma de nos relacionarmos com a cidade e com nossos corpos.

Jorge Brand é mestre em Filosofia pela UFPR e coordenador-geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (CicloIguaçu).

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