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Desde a semana passada, no velório de Luiz Hamilton Berton, a pergunta que dá título a este artigo, transformada em título de livro pelo ministro anglicano Melvin Tinker, me persegue. Luiz Hamilton morreu aos quarenta e poucos anos, depois de lutar quatro anos contra um tumor de intestino. E essa não foi a única batalha que teve de enfrentar, pois Luigi, o filho tão esperado, dele e de Thaís Lago, um menino lindo, nasceu há cinco anos com uma grave doença degenerativa que comprometeu irremediavelmente seu desenvolvimento. Uma história triste, uma tragédia para qualquer pessoa. Só que Luiz Hamilton e Thaís se recusaram a ser derrotados pelos infortúnios e transformaram suas vidas num testemunho de coragem, de destemor e de amor ao próximo. Foi como se eles quisessem mostrar que eram guiados por uma força superior, que os conduzia e inspirava a lutar quando todas as probabilidades eram adversas, quando os espíritos mais fracos se dariam por vencidos.

Ontem, no enterro de Fani Lerner, a pergunta me voltou ao espírito com força. Fani, abstraindo tudo o que de importante fez em sua vida (e não foi pouco) era, acima de qualquer outra coisa, uma pessoa boa, incapaz de nutrir sentimentos subalternos, como o rancor, a inveja, o desejo de vingança. Foi uma figura que Aroldo Murá, em um belíssimo artigo nesta mesma Gazeta, definiu como singular. Uma pessoa permanentemente otimista, apesar de ter de conviver com uma rotina de quimioterapias devastadoras, que eliminariam qualquer resquício de otimismo num espírito mais fraco.

Quando chegamos ao Salão Nobre da Prefeitura, onde a sobriedade solene do esquife no cadafalso e a tristeza infinita de Jaime, seu companheiro de tantos anos, impunham respeito e admiração, comentei com Mário Celso Petraglia e a Eliane, amigos dela durante a vida inteira: "Nós, na minha família, sempre gostamos muito da Fani". E ele retrucou: "Mas você conhece alguém que não gostasse dela?". Mário tinha razão: ela era uma dessas poucas pessoas capazes de despertar uma unanimidade de julgamentos positivos. Era capaz também de falar várias línguas – e não me refiro às línguas mundanas, o inglês, o francês, mas às línguas dos vários segmentos da população, dos mais simples e dos desprovidos, que encontravam nela uma interlocutora atenta e compreensiva. A língua das crianças, com quem conviveu ao longo de sua vida como professora e que ocuparam sua atenção, competência e carinho durante a vida toda; a das pessoas de espírito, daquelas que são capazes de observar o que vai à sua volta com perspicácia e com humor; e a língua da conciliação e da sagacidade política, com a qual conseguiu amealhar aliados onde havia adversários e forjar concordâncias onde reinava a discórdia.

Fani só nos enganou em uma coisa: ao longo desses últimos quatorze anos, vez por outra, um ou outro amigo comentava que "a Fani não estava bem", como se prenunciando o pior. Passado algum tempo, a reencontrávamos, com o semblante marcado pelos sinais evidentes da medicação que havia tomado, mas sempre bem humorada e com o astral permanentemente nas alturas. Tantas vezes isso aconteceu que, quando há algum tempo, alguém repetiu a velha informação, achávamos que havia o costumeiro exagero e que logo a veríamos sorridente, como se nada a estivesse incomodando. Desta vez não havia exagero. E Fani se foi.

Um recado para ela e para Luiz Hamilton, um jovem professor brilhante, merecedor de ter, junto com a Thaís e o Luigi, o que de melhor a vida pudesse oferecer, mas a quem os desígnios misteriosos do Senhor reservaram provações que não mereciam: vocês não foram derrotados pela doença, depois de lutar tanto contra ela; vocês mostraram que a doença pode até destruir a matéria mas nunca derrotar os espíritos luminosos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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