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O que deve prevalecer: a construção de novas hidrelétricas para suportar o crescimento populacional e econômico do país no futuro próximo, ou o direito dos índios de manter como suas as terras que seus ancestrais ocuparam no passado remoto? O que deve ter precedência: o direito das pessoas comuns à segurança jurídica dos contratos de compra e venda celebrados de acordo com as leis vigentes, ou o direito dos quilombolas de desalojar os atuais proprietários para receber de volta áreas que alegam ter sido ocupadas por seus bisavós e tataravós? Aliás, se con­­tinuar a farra no reconhecimento dos antigos quilombos, o Brasil se transformará, em breve, num imenso quilombo-papel, aquele que só existe e existiu nos processos e documentos oficiais.

E vai por aí afora. Passando pelo "direito" dos filhos do ex-presidente deposto João Goulart e do ex-governador Leonel Brizola de serem indenizados com o nosso dinheiro para compensá-los das agruras de terem morado alguns anos no exterior. Aliás, em condições infinitamente mais confortáveis do que a esmagadora maioria dos que saíram do Brasil por perseguição política em qualquer época de nossa história (meu avô Belmiro Valverde inclusive). Já estou ouvindo os ecos da patrulha ideológica me contestando e recitando o "não permita Deus que morra sem que volte para lá" , mas definitivamente não acredito que Gonçalves Dias estivesse imaginando que além da visão das "palmeiras onde canta o sabiá", os Goulart e Brizola recebessem, em sua volta ao Brasil também uma bolsa-ditadura.

Estou cada vez mais convencido de que necessitamos de um novo Contrato Social no país, se é que algum dia tivemos algum. Um Contrato Social que determine quais serão as regras básicas de convivência entre diferentes grupos sociais e seus interesses próprios; defina uma hierarquia entre os valores e interesses a preservar. Se não o fizermos rapidamente, correremos o risco de alcançar rapidamente um estado de absoluta paralisia institucional.

Para ver que não exagero, vamos a alguns exemplos: depois de um parto demorado e doloroso, a Usina de Belo Monte recebeu um dos licenciamentos ambientais indispensáveis para que a obra prossiga. Promotores públicos, inconformados, prometem continuar a criar entraves judiciais sucessivos para evitar que a decisão do Ministério de Meio Ambiente possa ser cumprida, apesar de sucessivas derrotas que sofreram no passado. Até que ponto membros do Ministério Público podem tentar valer suas convicções pessoais contra decisões tomadas em foros habilitados legalmente para isso, utilizando-se de métodos que, em português claro, são denominados de chicana jurídica?

Recentemente o presidente Lula trombou com o Tribunal de Contas da União e os orgãos de controle financeiro e, inclusive, afrontou-os ao vetar uma determinação para que não fossem alocadas verbas públicas a obras suspeitas de superfaturamento. Não vem ao caso saber quem tem razão, se as obras devem ou não ser paralisadas e sim o fato de que o presidente da República resolveu se posicionar contra decisões tomadas por instâncias institucionais habilitadas que agiram, pelo menos supostamente, para evitar o abuso e a malversação de recursos públicos.

O Plano Nacional de Direitos Humanos ajudou a escancarar a dissonância entre a sociedade brasileira e governantes em relação a diversos assuntos altamente polêmicos, como a revisão da Lei de Anistia, o aborto, a livre circulação da informação e o livre exercício da imprensa. Só depois que setores organizados como os militares, a Igreja e os donos de veículos da mídia demonstraram desconforto e insatisfação é que o governo Lula passou a tratar o Plano de Direitos Humanos como um documento meramente exploratório. Se esses grupos não tivessem se mobilizado, as convicções de alguns governantes teriam se transformado em políticas de Estado, como se tivessem sido debatidas amplamente nos foros e não em conchavos reservados entre pessoas de igual pensamento e iguais interesses.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR

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