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Educar é abarcar pluralidade de ideias

A vereadora Carla Pimentel tem feito fama apresentando projetos de lei anacrônicos, já superados historicamente e com fortes marcas de conservadorismo. Como não podia deixar de ser, sua mais nova "polêmica" prevê que se alterem os currículos escolares e que os mesmos não contenham os fatos políticos que movem a história da humanidade, o que ela, em sua proposta, classifica como "doutrinação política e ideológica".

Leia a opinião completa de Janeslei Aparecida Albuquerque, professora da rede estadual do Paraná, é mestre em Educação, secretária de Formação Política-Sindical da APP-Sindicato, militante da Marcha Mundial das Mulheres e membro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe/UFPR), representando a APP-Sindicato.

É lícito ao professor usar suas aulas para tentar obter a adesão dos alunos a determinada corrente política ou ideológica?

De acordo com a Constituição Federal, a resposta é negativa. A doutrinação em sala de aula ofende a liberdade de consciência do estudante; afronta o princípio da neutralidade política e ideológica do Estado; e ameaça o próprio regime democrático, na medida em que instrumentaliza o sistema de ensino com o objetivo de desequilibrar o jogo político em favor de um dos competidores.

Por outro lado, ao abusar do poder de fato e de direito que exerce sobre os alunos; da sua audiência (literalmente) cativa; do temor, da insegurança, da imaturidade e da falta de conhecimento dos alunos para tentar transformá-los em réplicas ideológicas de si mesmo, o professor desrespeita os preceitos mais elementares da ética do magistério.

A prática da doutrinação, todavia, apesar de antiética e ilegal, tomou conta do sistema de ensino. A pretexto de "construir uma sociedade mais justa", professores de todos os níveis utilizam suas aulas para cooptar política, ideológica e eleitoralmente os alunos. Reprimir o impulso de "fazer a cabeça" dos estudantes é uma ideia que nem sequer lhes ocorre.

Que fazer para coibir esse abuso intolerável da liberdade de ensinar, que se desenvolve no segredo das salas de aula, e tem como vítimas indivíduos vulneráveis em processo de formação?

Nada mais simples: basta informar e educar os alunos sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores; basta informar e educar os professores sobre os limites éticos e jurídicos da sua liberdade de ensinar.

É isso, e apenas isso, o que propõe um projeto de lei que acaba de ser apresentado à Câmara Municipal de Curitiba pela vereadora Carla Pimentel. Baseado numa iniciativa do movimento Escola sem Partido – que desde 2004 vem atuando no combate à doutrinação nas escolas –, o projeto prevê a afixação, em todas as salas de aula da rede municipal de ensino, de um cartaz com os "5 deveres do professor": não abusar da inexperiência dos alunos com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária; não favorecer nem prejudicar os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas ou religiosas; não fazer propaganda político-partidária em sala de aula; ao tratar de questões controvertidas, apresentar aos alunos, de forma justa, as principais teorias, versões e perspectivas concorrentes; e não usurpar o direito dos pais na educação moral dos seus filhos.

Se esses deveres existem, os estudantes têm direito de conhecê-los para poder exercer os direitos que lhes correspondem. O direito de conhecer os próprios direitos é um elemento central do conceito de cidadania, e a escola, diz expressamente a LDB, tem o dever de preparar o educando para o exercício da cidadania.

O PL, portanto, é legítimo, necessário e urgente. O problema é que ele contraria os interesses de dois grupos poderosos e muito bem articulados entre si: os professores que promovem a doutrinação e os partidos que dela se beneficiam. Por isso, os apoiadores do projeto devem estar preparados: esses grupos farão "o diabo" para impedir que ele seja aprovado.

Miguel Nagib, advogado, é coordenador do Escola sem Partido.

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