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 | Luiz Costa
| Foto: Luiz Costa

É com certa dose de tristeza e de consternação que me dirijo ao leitor. Dias atrás, vimos que um grande banco privado promoveu uma “exposição de arte” de teor um tanto quanto discutível, uma vez que temas transgressores como pedofilia e bestialismo se tornaram o mote da vez. Além da perplexidade, me ficou a indignação pelo fato de uma instituição financeira recorrer à captação de recursos de renúncia fiscal via Lei Rouanet para tal empreitada.

Não considero que tal iniciativa seja pecaminosa. Longe disso. Defendo e sempre defendi que leis como a Pelé e a Rouanet devam ser incentivadas para desenvolvimento do esporte e das artes (sérias!). O que me causa consternação, entretanto, é o fato de se utilizar de forma questionável tais recursos para finalidades não aplicáveis. Ainda há pouco, alguns cantores sertanejos e de axé recorreram a esse mesmo instrumento para montagem de seus shows privados; ou seja, se utilizaram de verba pública para financiar shows nos quais se cobrou entrada da assistência!

Assim como outros colegas, tenho formado mestres e doutores com relativa dificuldade, pois os órgãos governamentais que fornecem bolsas de estudo para formação de pessoal de alto nível não têm conseguido atender a nossa demanda. Eu e muitos outros orientadores temos encontrado dificuldades em fixar na pós-graduação nossos alunos recém-formados e com alto desempenho acadêmico, pelo simples fato de não dispormos de bolsas em quantidade suficiente.

Devemos parar de pensar que doutores devem ser absorvidos única e exclusivamente pela academia

É assombrosa a constatação de que bons ex-alunos, sobretudo aqueles que realizaram iniciação científica e/ou tecnológica, estão emigrando para países onde existem condições de desenvolvimento de pesquisa de qualidade e de formação de carreira profissional. Essa fuga de cérebros é danosa para nosso país. Mas eu não os censuro. Infelizmente, o cientista brasileiro enfrenta um calvário para se manter na ativa. Gastamos bilhões em “repaginação” de estádios de futebol subutilizados em rincões ermos do país e não conseguimos finalizar a construção do nosso acelerador de partículas, tão útil para o desenvolvimento de equipamentos de diagnóstico e tratamento de doenças, como o câncer, por exemplo.

Então me ocorreu: e se houvesse uma lei que permitisse a utilização de tributos devidos para custeio de bolsas de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) por parte das empresas de capital privado?

Qual a minha desilusão por tal lei não existir.

No último mês, a comunidade acadêmico-científica brasileira ficou de cabelo em pé com o risco de não pagamento de bolsas por parte de uma das agências nacionais de gestão em pesquisa. Então questiono: por que não permitir que instituições privadas, como empresas do setor produtivo, comercial, de serviços e cooperativas, paguem bolsas de estudo para mestrandos e doutorandos que sejam promissores, já que as bolsas governamentais provêm de pagamento de tributos?

Leia também:  Não é inteligente cortar verbas de ciência e tecnologia (artigo de Ricardo Marcelo Fonseca, publicado em 23 de agosto de 2017)

Após uma consulta à internet, constatei que existe um projeto de lei, o PL 846/2011, que propõe concessão de isenção do Imposto de Renda (IR) às bolsas de estudo concedidas a alunos e docentes por entidades públicas ou privadas de fomento. Mas não existe nenhum projeto que proponha isenção fiscal para empresas que fomentem bolsas. Pelo contrário, uma alteração da Lei 12.513/2011 torna ainda mais difícil a concessão de benefícios por parte da iniciativa privada para estudantes de pós-graduação.

Obviamente, essa cessão de bolsas deve ocorrer sob estritos critérios de mérito e de lisura, a fim de não ocorrerem desvios de encaminhamento e outras atitudes ilícitas. Precisamos garantir que não tenhamos uma estrada para o inferno pavimentada de boas intenções, à semelhança do que vem ocorrendo nas artes. Os programas de pós-graduação elegíveis devem ter um conceito mínimo junto ao órgão gestor (a Capes) e o estudante deve apresentar um bom rendimento. A fiscalização deve ser efetiva, para que não ocorram casos de concorrência predatória.

Talvez o leitor não saiba, mas existe um senso comum pernicioso na comunidade cientifica (não unânime, afortunadamente) de que o setor produtivo não procura a academia para fazer pesquisa. Isso já virou um mantra. Uma lei como essa poderia propiciar uma maior aproximação entre os diferentes setores, incorrendo em melhoria de nível das pesquisas e favorecendo a inovação tecnológica, tão necessárias para o desenvolvimento do nosso Brasil.

Leia também:Inovação e ciência brasileira: uma visão pessimista (artigo de Marcelo Lima, publicado em 9 de setembro de 2017)

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É incrível como acontecem alguns disparates aqui na Terra Brasilis. O custo com um cidadão encarcerado no nosso falido sistema prisional é próximo daquele investido na formação de um doutorando. Sim, isso mesmo. Eu friso que custeio com formação de mestres e doutores deve ser entendido como investimento, pois, além da formação propriamente dita, as dissertações e teses geram artigos científicos, patentes licenciáveis e melhorias de serviços. A pós-graduação é, sem sombra de dúvidas, a maneira mais barata de gerar desenvolvimento local, regional ou nacional. E nós estamos perdendo cérebros virtuosíssimos por não lhes darmos a oportunidade de se fixarem em nossos programas de pós-graduação.

Ainda outro dia, eu estava a apresentar minha ideia de fomento de pesquisa e inovação usando verba provinda de empresas do setor privado e um colega, não ligado à pós-graduação, me questionou acerca do possível mau uso dessa verba vinda de uma lei como aqui sugerida. Ele me indagou se eu achava correto usar verba que seria paga como imposto para fazer pesquisa para empresas e formar doutores para empresas. Minha resposta foi sim. Na verdade, já fazemos isso, com escassa verba vinda na forma de bolsas. Formamos mestres e doutores que acabam absorvidos pelas universidades privadas, pois poucos são os concursos para instituições públicas. Além disso, é momento de discutirmos se devemos formar pessoal de alto nível somente para a academia, que se encontra saturada. Países europeus e asiáticos têm formado doutores industriais, com temas de tese e foco direcionado para desenvolvimento de insumos, produtos e serviços. Devemos deixar de lado esse pensamento equivocado em considerar que doutores devem ser absorvidos única e exclusivamente pela academia. Inglaterra, Alemanha, Coreia e Japão já o fazem e hoje geram muitas patentes e produtos de altíssimo valor agregado. Pense nisso quando ligar seu smartphone de marca coreana, pois muito da tecnologia embutida foi desenvolvida em programas de pós-graduação parceiros de empresas.

Espero que estas linhas possam chegar até agentes tomadores de decisão e que eles considerem tal ideia. Tenho a firme convicção de que isso permitirá à comunidade científica respirar com mais vitalidade.

Edvaldo Antonio Ribeiro Rosa é professor-orientador nos programas de pós-graduação em Odontologia (PPGO) e Ciência Animal (PPGCA) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
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