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Precisamos de um novo regime legal de recuperação de empresas para as MPEs
| Foto: Pixabay

As micro e pequenas empresas (ou empresas que podem teoricamente ser classificadas como tais) representam aproximadamente 27% de todo o PIB brasileiro, 68% de todos os empregos gerados em território nacional e 90% de todas as empresas brasileiras. Isso quer dizer que tais empresas são extremamente importantes para a nossa economia, para a geração de emprego e a redução da pobreza e da desigualdade social.

Infelizmente, no entanto, a taxa de mortalidade dessas empresas é elevadíssima, principalmente pela falta de financiamento adequado. Uma taxa de mortalidade elevada nos levaria a imaginar que deveríamos ter um regime legal adequado para tentar salvar ou liquidar eficientemente as empresas em crise, notadamente as de menor porte.

Uma coisa que chama atenção é que, hoje, temos um regime legal de recuperação de empresas e falimentar que, mesmo com todas as falhas e problemas, pode, ao menos em tese, ajudar a salvar empresas em crise, ou, em caso de falência, permitir que sejam liquidadas com morosidade menor do que se observava no regime jurídico anterior, do Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945. Curiosamente, entretanto, está bastante claro que o regime que hoje vigora, o da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (LREF), é adequado para empresas de médio ou grande porte. Tal regime, notadamente o de recuperação judicial, é absolutamente inadequado para as empresas de menor porte.

O prazo, inflexível e não muito longo, traz muitas dificuldades à empresa de menor porte que se encontre em dificuldades financeiras

O legislador, ao engendrar o atual regime recuperacional voltado para as micro e pequenas empresas, parece ter agido com boa intenção, mas o resultado claramente deixou muito a desejar. Para evitar a convocação de assembleia de credores (que normalmente está acompanhada de publicações caras e desnecessárias) para deliberar sobre o plano, criou um regime que é muito parecido com a antiga concordata. De acordo com tal regime, o devedor poderá apresentar um "plano especial" de recuperação, por meio do qual dar-se-á ao juízo o poder de conceder algo parecido com o "favor judicial" da antiga concordata, desde que obedecidos os requisitos formais e que não sejam apresentadas objeções de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no artigo 83 da LREF. Note-se que o procedimento adotado pelo legislador, parecido com o da antiga concordata, não deveria ter sido, por motivos óbvios, o caminho eleito. Se não funcionava bem antes, não funcionará bem agora.

O primeiro problema com tal procedimento é a regra que impõe ao devedor a obrigação de reajustar a dívida com juros calculados com base na taxa Selic. Se o devedor já está com sérios problemas financeiros ao ponto de ter de tentar o caminho da recuperação judicial, não parece muito adequada uma regra inflexível e obrigatória que preveja a remuneração do credor com base na Selic, que não representa somente juros ou correção monetária, mas uma composição de ambos. O legislador deveria ter deixado ao próprio devedor propor algo que caiba no seu bolso, já que o que se busca é a efetiva recuperação da empresa.

O segundo problema é que o plano especial de recuperação não permitirá parcelamento com prazo maior que 36 meses (o que torna tal regime parecido com o da antiga concordata). O que acontecerá se o devedor necessitar de prazo maior para se recuperar? Culminará por ter sua falência decretada simplesmente pela inflexibilidade da lei. Logo, o prazo, inflexível e não muito longo, trará muitas dificuldades à empresa de menor porte que se encontre em dificuldades financeiras.

O terceiro problema está relacionado ao segundo: se prazo para pagamento é exíguo, eventual carência para início do adimplemento também o será. Com efeito, a LREF prevê que o pagamento das dívidas deverá ser iniciado em até 180 dias contatos da distribuição do pedido de recuperação judicial. Um prazo tão curto para uma empresa que está em dificuldades financeiras e que busque a proteção da recuperação judicial não será muito útil para ajudar a salvá-la.

Uma reforma legislativa adequada pode resolver tais problemas com certa facilidade. Já que a inspiração do legislador foi tentar escapar da necessidade de se aprovar o plano especial de recuperação em assembleia de credores – o que é uma excelente ideia, por sinal –, poder-se-á flexibilizar as regras que hoje estão em vigor. Mas como fazer isso?

Inicialmente, pode-se criar um modelo de plano especial de recuperação como um default, a ser automaticamente adotado pelos devedores interessados. Assim, a formulação e a implementação do plano especial seriam razoavelmente fáceis e baratas. Mas tal plano especial default não pode ser obrigatório, dando-se aos interessados a oportunidade de não o adotar (fazer o opt-out). Assim, abre-se espaço para que o devedor faça o opt-in e adote plano diferente do default, por meio de regras que sejam autorizadoras (enabling). Desta maneira, o devedor estaria legalmente autorizado para, por exemplo, adotar prazo maior de carência ou para pagamento da totalidade do passivo novado por meio do plano especial de recuperação.

Tais medidas legislativas, que são simples e de fácil implementação, poderiam ajudar muito as micro e pequenas empresas em crise, de maneira a salvá-las ao se depararem com dificuldades financeiras.

Marcelo Godke, advogado especialista em Direito Empresarial e Contratos, é mestre em Direito pela Universiteit Leiden (Holanda) e pela Columbia University (EUA).

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