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A bagunça generalizada que ensandece o Congresso e o governo, não sei se mal ou bem comparando, parece o frege que irrompe em certos locais duvidosos – assim como a desativada mansão petista à beira do Lago de Brasília, famosa como a República de Ribeirão Preto – quando alguém se esgoela no berro de alarme de pega ladrão.

E que tanto pode anunciar a chegada da Rádio Patrulha como a invasão de rivais na disputa do ponto rendoso. No Legislativo, a Câmara nada de braçada no riacho de lama podre, que salpica no Senado.

Na seqüência de denúncias que pipocam sempre que se abre e remexe na lata de lixo, a maioria mostra a cara fanada de velhas conhecidas. A mais recente, que continua a merecer destaque na primeira página dos jornais, matérias especiais nas revistas e espaço no noticiário das TVs no horário nobre, cutuca o entulho da orgia com o veterano escândalo das verbas indenizatórias, bandalheira inaugurada em 2001, com a aprovação da Mesa, na presidência do deputado tucano Aécio Neves (atual governador de Minas), com a decisiva participação do então 1.° secretário, Severino Cavalcanti, padrinho das reivindicações do baixo-clero. Trata-se de uma tramóia explícita, com todas as miçangas de requintada mordomia. Começou modesta: crédito de R$ 7 mil mensais à disposição dos 513 deputados para o ressarcimento, mediante a simples apresentação de recibo, das despesas de fim de semana, desfrutado no calor dos lençóis domésticos das suas bases e malandramente qualificadas como dispêndio nos paparicos ao eleitor.

Com o rolar do tempo e de presidentes, a verba indenizatória, apelido de salário indireto, livre da impertinência do imposto de renda, saltou para R$ 12 mil mensais no primeiro reajuste do benemérito presidente, deputado João Paulo Cunha PT-(SP), para o novo pulo para os atuais R$ 15 mil, no rega-bofe da sua despedida para o calvário da denúncia de beneficiário do caixa 2, com o final apoteótico da absolvição pelo plenário da Câmara, no resgate da dívida de gratidão.

Ora, o pau que nasce torto só tende a envergar. Todo mundo no Congresso, de senadores e deputados fregueses da mamata, aos servidores e jornalistas, sabe que a patifaria da verba indenizatória é uma cascata de cabeludas irregularidades.

Bastou a denúncia da reportagem de O Globo para que a vergonheira do procedimento de meliantes fosse exposta nas suas dimensões de mais uma evidência da crise moral, da falta de ética e de compostura de dezenas de meliantes pilhados com a mão no cofre da viúva. O descaro atinge a dimensões recordistas. Os deputados federais gastaram, em 2005, em combustível para o abastecimento dos carros na visita ao voto, R$ 41 milhões pagos pela Câmara, mediante recibos, alguns grosseiramente falsificados e sem qualquer verificação. É fortuna suficiente para comprar 20,5 milhões de litros de gasolina e percorrer 164 milhões de quilômetros ou mais de meia centena de viagens de Manaus a Porto Alegre.

Com o banzé na imprensa, o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) arregalou os bugalhos para o flagrante do susto e da surpresa e passou a batata quente para a Corregedoria da Câmara, primeiro passo na rota do esquecimento. E enquanto empurra com a barriga para o dia de são nunca, o Congresso dribla a evidente urgência de uma reforma profunda nos hábitos, costumes e deslizes do mais democrático dos poderes e o mais distante e rejeitado pelo povo.

Antes que a poeira assente, convém extrair de uma das últimas e a mais importante declaração do presidente-candidato o seu exato significado. A frase histórica é sabida: em improviso de campanha, em Porto Alegre, Lula encaixou a pérola: o Brasil "não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde".

Claro que não se trata de mais um escorregão na jactância. Não há como ignorar o descalabro da falida rede de saúde. Não se passa um dia sem que a imprensa denuncie o desumano sofrimento imposto às mais necessitadas faixas da população. Com chocantes imagens de velhos, doentes, aleijados que passam as noites e madrugadas nas filas do SUS à espera da esmola do atendimento sempre adiado.

Certamente que o presidente passa os olhos pelos jornais e assiste os noticiários de televisão. Se olha e não vê, não se trata de desatenção ou desinteresse. Mas, de grave e preocupante disfunção ótica, a reclamar cuidados de oftalmologista e o tratamento seguido com rigor.

Até lá o presidente-candidato em campanha, que não enxergou o derrame de milhões do caixa 2 e do mensalão nem as filas da desgraça na rede pública de saúde, credencia-se à indulgência do inimputável – que não pode ser responsabilizado pelo que olha, mas não vê.

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