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Ao longo das décadas de 1930 a 1970, o Estado brasileiro construiu uma complexa rede de intervenção na economia. Seja através da criação e operação de empresas estatais, seja por meio de forte regulação sobre empresas privadas. Esse modelo deu errado, como ilustra a hiperinflação da década de 1980, sendo parcialmente revertido na última década do século 20. Diversas empresas estatais foram entregues ao capital privado, tornando-se competitivas a ponto de poderem oferecer melhores serviços aos seus consumidores. Nos últimos dez anos, contudo, voltamos ao modelo anterior, seja com a criação de novas empresas controladas pelo Estado, seja com a aprovação de diversas medidas regulatórias e planos governamentais mirabolantes. Novamente, aqui, deu errado, como ilustram os balanços de diversas empresas estatais. Por que, então, não privatizar?

Seja do ponto de vista prático, seja do ponto de vista teórico, é difícil encontrar justificativa para o apego da população brasileira – medido em pesquisas de opinião – às empresas estatais. Como bem documentado pela literatura, o desenvolvimento econômico é um processo de aperfeiçoamento institucional, que garante que fatores de produção sejam alocados nas atividades mais produtivas. Quando há muita intervenção do Estado na economia, seja por meio de empresas estatais, seja por forte regulação, é pouco provável que esse mecanismo funcione de forma adequada, dificultando o aumento de produtividade que garante o desenvolvimento. Os incentivos presentes nessa estrutura institucional levam a uma alocação ineficiente dos fatores de produção.

Se do ponto de vista teórico é difícil justificar a existência de empresas estatais, do ponto de vista prático fica ainda mais complicado. Como bem ilustram os quatro anos de Operação Lava Jato, a existência de empresas estatais beneficia acordos espúrios entre políticos, empresários e gestores. Isso dá margem a contratos superfaturados e investimentos sem justificativa econômico-financeira. Com efeito, setores inteiros, que poderiam ajudar naquele aumento sistemático de produtividade da economia, ficam sujeitos a incentivos perversos, entregando para o consumidor serviços ruins e caros.

A existência de empresas estatais beneficia acordos espúrios entre políticos, empresários e gestores

Privatizar, nesse contexto, poderia ajudar o país a tanto melhorar suas instituições, quanto aumentar a produtividade da economia. Há toda a sorte de investimentos que precisam ser feitos na infraestrutura, desde as redes de transporte ao saneamento básico. É sintomático que metade da população brasileira não tenha, em 2018, acesso a tratamento de água e esgoto. A adequada privatização desse setor teria enormes externalidades para o país, como a redução da mortalidade infantil e menos gastos com o sistema de saúde.

Também chama atenção o fato de a maior parte dos alimentos que abastecem as grandes cidades ser transportada por rodovias, em vez de ferrovias ou mesmo hidrovias. Uma malha ferroviária moderna poderia reduzir o custo de frete, o que implicaria em preços mais atraentes para os consumidores. Além disso, aumentaria a competividade das nossas exportações, pleito antigo do setor agropecuário.

É possível fazer diversas críticas em relação às privatizações dos anos 90. Mas não se pode negar que elas trouxeram diversos benefícios para a economia brasileira. A Vale do Rio Doce, a CSN e a Embraer aumentaram em muitas vezes o seu faturamento, um vez pertencentes ao capital privado. Enormes investimentos foram feitos no setor de telecomunicações. Antes, telefone fixo era um bem, que poderia ser alugado para terceiros. Hoje, em qualquer banca de jornal é possível adquirir um chip de telefone celular. Indubitavelmente, essas e outras privatizações fizeram bem ao país.

Leia também: O tabu das privatizações (editorial de 22 de fevereiro de 2017)

Leia também: Privatizações sem privatistas: o desafio de Temer (artigo de Lucas Berlanza, publicado em 4 de setembro de 2017)

Abrir uma empresa estatal, reservar um mercado para ela e exigir conteúdo nacional de máquinas e equipamentos que ela compra é algo que tem sido tentado há décadas no Brasil. Os fracassos se somam aos montes, como ilustram a Petrobras e a reserva do mercado de informática da década de 1980. Abrir os mercados, incentivando a competição de empresas privadas, pelo contrário, gera produtos mais inovadores e mais baratos. Por que, então, não privatizar?

Às justificativas dadas anteriormente soma-se a frágil situação fiscal do setor público brasileiro, ilustrada pelos últimos quatro anos de déficit primário. O efeito mais perverso desse quadro é a trajetória explosiva da dívida pública, que, se não for resolvida, pode levar o país de volta a um crônico processo inflacionário. Um amplo programa de privatização, desse modo, além de todos os efeitos citados acima, teria como contrapartida a redução da dívida pública, com repercussões positivas para a macroeconomia do país.

Como se vê, há muitas razões para entregar empresas estatais ao capital privado. A existência desse tipo de arranjo só se justifica pelo lobby de políticos e grupos de interesse. Pouco oferece à sociedade, já que ela arca com preços mais altos e péssima qualidade dos serviços. Um amplo programa de privatização ajudaria o país a melhorar suas instituições, aumentar a sua produtividade e ainda conter o avanço da dívida pública. Privatizar, portanto, é não só justificado do ponto de vista teórico e prático, como pode ser uma das saídas para a economia brasileira voltar a crescer de forma sustentável nos próximos anos. Oxalá tenhamos no próximo mandato um presidente com esse grau de compreensão!

Vítor Wilher, mestre em Economia, é fundador da startup Análise Macro, professor de Economia, cientista de dados e conselheiro do Instituto Millenium.
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