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Muitas pessoas têm feito reiteradas críticas à Base Nacional de Conteúdos Comum da disciplina de História. Eu, como professor da disciplina, gostaria de colocar alguns contrapontos em relação a essas críticas.

A disciplina de História, tradicionalmente, apresenta algumas pegadinhas para o professor. A primeira é a trava temporal da organização do conteúdo, ou seja, como diria um amigo meu, você começa em Adão em Eva no sexto ano e segue até hoje no terceiro ano do ensino médio. Essa organização que, numa primeira leitura, parece muito boa apresenta problemas, como a fragmentação dos conteúdos, falta de articulação (especialmente na transição de uma série para outra) e o fato de ela não ter nenhuma relação com a realidade social e cultural dos alunos. Nessa organização há uma certa fantasia de que o aluno, ao sair de um ano, vai lembrar exatamente tudo o que aprendeu no ano anterior e seguirá a lógica dos acontecimentos. Isso não acontece – primeiro, por se tratar de adolescentes imaturos; segundo, porque não necessariamente será o mesmo professor que seguirá no próximo ano, o que já inviabilizaria essa relação causal dos acontecimentos.

A Base Nacional tem o mérito de romper com esse ensino de História exclusivamente cronológico

Ao meu ver, a Base Nacional de História tem o mérito de romper com esse ensino de História exclusivamente cronológico, partindo para uma abordagem temática. Em vez de seguir cronologicamente com a história, aborda temas em diferentes períodos históricos e traçar paralelos e comparações entre eles. Como, por exemplo, estudar o conceito de escravidão em diferentes sociedades e as diferenças de contexto entre essas sociedades.

E ainda há uma famosa pergunta que os alunos costumam fazer ao professor de História: Professor, qual a utilidade de aprender isso mesmo? Todo o conhecimento precisa ser socialmente relevante, não pode ser hermeticamente fechado em si mesmo. Imagine a dificuldade em ensinar sobre os fenícios, por exemplo, para uma turma de ensino fundamental da periferia que mal conhece a cidade onde mora. Não estou dizendo que não se deve ensinar a Antiguidade, mas faz mais sentido para alunos do ensino médio, que têm uma capacidade maior de abstração – exatamente como defende a BNCC.

Concordo com algumas críticas em relação aos conteúdos escolhidos, e talvez haja realmente um viés marxista em algumas escolhas. Apesar disso, o caminho geral do documento está correto. O ensino de História nos Estados Unidos, por exemplo, privilegia a história local no que seria o ensino fundamental e aborda história geral no que seria o ensino médio. Uma vez eu estava viajando pela Europa; conversei com uma moça britânica e, ao comentar que no Brasil estudávamos a Revolução Gloriosa, ela me disse que não entendia qual a relevância da Revolução Gloriosa para o Brasil. De fato, ela estava certa. Não estudamos o mínimo de História do Brasil, mas estudamos pormenores da história da Inglaterra.

A BNCC da disciplina de História tem alguns problemas, mas também tem méritos, os quais acabam sendo esquecidos numa guerra travada entre grupos políticos que não veem quem mais importa: o aluno.

Fabricio Maoski, historiador, psicólogo e mestre em Psicologia pela UFPR, atua na rede estadual de educação desde 2006.
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