A criação de diferentes modalidades de Unidades de Conservação (UCs) representa uma medida estratégica para a manutenção da biodiversidade dos grandes biomas brasileiros. Embora mal distribuídas e limitadas a uma porcentagem medíocre do território, com exceção do que ocorre na região amazônica, observa-se hoje uma posição hostil de setores da sociedade em relação à existência de áreas protegidas, em especial para aquelas porções do território destinadas à preservação estrita e, portanto, com limitações voltadas à exploração de seus recursos de maneira direta. Enquanto na maior parte dos países os parques e reservas são venerados e incorporados à cultura e economia locais, no Brasil a situação parece se inverter.
A opção de negar a importância das unidades de conservação vem, preponderantemente, de interesses econômicos setoriais, para seguir no processo de uso irrestrito do território, com práticas de exploração com vistas a resultados de curto prazo. Também ocorrem contestações de representantes de comunidades que sustentam, de forma oportunista, a tese de que 100% das áreas naturais ainda existentes no Brasil deveriam ser "disponibilizadas" ao extrativismo de moradores locais. Ambos repudiam a existência das áreas protegidas, ainda que tenham posições completamente antagônicas em suas perspectivas de desenvolvimento.
Em meio ao fogo cruzado, profissionais de instituições públicas e privadas voltadas à conservação da biodiversidade, mesmo com enormes dificuldades, buscam minimizar a inépcia governamental, assumindo o complexo trabalho de proteção das áreas naturais. Não raro, um punhado de funcionários públicos se vê responsável por dezenas de milhares de hectares. Grupos organizados da sociedade civil, adicionalmente, buscam dar apoio ao manejo das UCs, além de tentar evitar que desmandos políticos gerem alterações nas suas demarcações, como ocorre nos últimos anos.
As áreas protegidas brasileiras são de importância estratégica para o país e precisam ser respeitadas e valorizadas. E deve ser contraposta a afirmação falaciosa de que as populações que vivem nessas regiões estão fadadas à pobreza e à perda de suas tradições. O flagelo das comunidades locais e a própria situação de abandono das unidades de conservação estão relacionados com a ausência criminosa das demais instâncias do poder público e nas pretensões ilegítimas dos que pretendem a destruição dessas áreas, e não naqueles que as protegem. A dicotomia demagógica entre a conservação da biodiversidade e o futuro de populações lindeiras representa uma armadilha ardilosa que enfraquece ambas as partes.
Há uma gigantesca distância entre o potencial de incremento de atividades no entorno de unidades de conservação do país e a crônica realidade socioeconômica que perdura nessas regiões. De fato, as políticas de desenvolvimento adotadas até hoje negligenciam condições mais complexas de desenvolvimento, ignoram as necessidades de investimentos em infraestrutura, serviços e geração de renda, esporte e lazer nesses pontos do território. Preferem apenas dar amparo a processos convencionais, muitas vezes ampliando a degradação de áreas naturais remanescentes. E mantêm à míngua as estruturas responsáveis pela agenda de meio ambiente do país.
É mal intencionado o ataque às unidades de conservação e às instituições que são responsáveis por elas. Não são essas as instâncias as responsáveis pelo descaso do poder público para regiões especiais e que dependem de investimentos qualificados e gestões sérias para garantir um uso adequado do patrimônio natural na consolidação de iniciativas de desenvolvimento que gerem qualidade de vida e conservação da natureza. Só não percebe isso quem estiver ideologicamente cego, ou cultiva outras intenções.
Clóvis Borges é diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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