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A produção científica tradicional em matéria criminal diz que uma das finalidades da pena de prisão é evitar novos delitos. Entretanto, décadas de experiência ensinaram aos brasileiros que mais cadeia não significa, necessariamente, menos crimes. Bem o contrário: mais gente presa motivará, por aqui, o aumento da criminalidade em futuro próximo, considerando-se que boa parte dos condenados por crimes graves é reincidente.

Mesmo assim, se a premissa for a de que a punição é uma maneira eficiente de se prevenir crimes, ela pode ser a resposta. Nessa hipótese, deve-se poder contar com um mecanismo que identifique os fatos praticados e que lhes aplique as sanções cabíveis. Se a impunidade for zero ou muito próxima disso, a prevenção será eficiente. No Brasil, tal mecanismo não existe e o simples ato de prever penas em lei não faz com que crimes sejam evitados.

Qual a fórmula para se tentar evitar a ocorrência de crimes em geral? A resposta, já batida, certamente passa por tantas revoluções que chega a soar utópica: investimentos públicos em educação, cultura, segurança, reforma política etc. Seria algo até viável no longo prazo, não fosse uma característica persistente do ser humano – aguçada em ambientes propícios: a inclinação para a corrupção. O desvio de verbas públicas adoece a única fonte de esperança de controle real da criminalidade e, assim, alimenta a descrença da população no poder público e sua apatia política. Mas há um novo caminho.

O desvio de verbas públicas adoece a única fonte de esperança de controle real da criminalidade

O movimento de combate à corrupção vem, finalmente, ganhando força. A recente Lei Anticorrupção (2013) prevê pesadas multas e outras consequências administrativas às empresas que a praticarem ou deixarem de evitá-la em seu meio. O Decreto 8.420/15 regulamentou a citada lei para disciplinar o Programa de Integridade que deve ser adotado por empresários, consistente em um “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (art. 41). Ainda, as novas modificações na Lei de Lavagem de Dinheiro (2012) obrigam pessoas físicas e jurídicas com atuação na área financeira a “adotar políticas, procedimentos e controles internos” que lhes permitam identificar e denunciar fatos suspeitos vinculados a tal atividade. Trata-se do chamado compliance (do inglês to comply with the law – “cumprir a lei”): um programa de prevenção de ilícitos em meio empresarial que, se for idôneo, criará uma verdadeira cultura interna de obediência às normas, anulando-se comportamentos desconformes, e poderá motivar punições mais leves a empresas e seus administradores.

Embora de origem estrangeira, essa prática passou a ser adotada por filiais brasileiras de empresas multinacionais sediadas em países cujas leis já estabelecem, há muitos anos, a obrigatoriedade de se criar tais programas. Sendo as grandes empresas, hoje, um dos principais focos de riscos de crimes, dadas as maiores dificuldades de controles internos e alta complexidade organizativa, é lógico que se dedique a elas maior atenção.

Em todas as últimas grandes operações policiais, as fraudes e desvios contaram com a utilização de pessoas jurídicas. Se o compliance for efetivo (isto é, pensado, organizado e supervisionado para que funcione de fato), há considerável probabilidade de que tais delitos não cheguem a ocorrer – inclusive, é claro, a corrupção. Começando na iniciativa privada, talvez o Estado se encoraje a obrigar também empresas públicas a fazer o mesmo em larga escala.

Lembremo-nos de que o STF, ao julgar o caso do mensalão, em 2012, utilizou expressamente como fundamento de várias condenações criminais a circunstância de que determinados réus, por exercerem funções de compliance, quebraram seus deveres de evitar os delitos. Portanto, já é uma realidade no Brasil; cabe à classe empresária internalizá-la.

O investimento que os empresários brasileiros deverão fazer para a adoção de métodos legítimos de prevenção de crimes será certamente compensado, pois pesquisas indicam que a melhora na imagem da empresa – como cumpridora da lei e divulgadora de princípios éticos – a diferencia positivamente de seus concorrentes. Estancando-se o escoamento das contas do Estado, políticas públicas concretas voltam a ser factíveis. Quem ganha mais, claro, é toda a sociedade.

Gustavo Scandelari, advogado e mestre em Direito pela UFPR, é professor de Direito Penal.
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