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 | Roberto Custódio/Arquivo Jornal de Londrina
| Foto: Roberto Custódio/Arquivo Jornal de Londrina

Durante a finalização do processo de revisão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), observamos um impasse quanto à questão da idade certa para a alfabetização de nossas crianças. O Conselho Nacional de Educação (CNE), responsável por analisar e aprovar o documento, defende o atual critério, no qual o término do ciclo de alfabetização se dá ao fim do 3.º ano, fase em que as crianças têm 8 anos de idade. Já o Ministério da Educação (MEC) propôs a antecipação deste limite para o 2.º ano, quando os alunos estão com 7 anos. Afinal, o que é o melhor para nossas crianças? Quando os alunos devem estar alfabetizados?

A revisão da BNCC tem sido discutida no CNE e em audiências públicas nos estados, e a previsão é de que o novo documento seja finalizado até novembro deste ano. O acordo para o tal impasse seria de que o ciclo de alfabetização se mantenha em três anos, mas garantindo que o letramento ocorra em dois. O MEC deverá fazer a avaliação nacional de alfabetização ao fim do 2.º ano, e não no 3.º, como é atualmente. Como não há base nacional no Brasil, os padrões estão estabelecidos pelo Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) e pelo Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelecem a conclusão da alfabetização das crianças até o fim do 3.º ano do ensino fundamental, em escolas públicas e privadas. O MEC acertou ao tentar adiantar o fim do ciclo de alfabetização para o segundo ano, mas o ideal seria que isso ocorresse ainda no primeiro ano. Assim, em cinco anos teríamos reduzido drasticamente o número de analfabetos funcionais no Brasil.

50% dos nossos estudantes chegam ao quinto ano sem conseguir ler um texto de cinco linhas e contar o que entendeu

A decisão de antecipar o término do ciclo de alfabetização do terceiro para o segundo ano nos remete a uma posição realista, do ponto de vista social, indo além da questão apenas educacional. Ocorre que as crianças devem ser alfabetizadas no primeiro ano, e as poucas que não conseguem atingir a alfabetização precisam ser mantidas neste processo de aprendizagem para que amadureçam. Nessa idade – com um bom trabalho na educação infantil – teremos, ao fim do primeiro ano, não mais que 10% de estudantes que chegam a esta fase sem ler. Deste pequeno porcentual, temos crianças que, em sua maioria, são imaturas, ou nascidas no fim do ano. E, ainda, temos de considerar alguns casos em que já é possível identificar a manifestação de alguma das mais de 25 síndromes ou transtornos humanos.

O grande problema social da educação básica que enfrentamos é que, com o término do ciclo de alfabetização ao fim do 3.º ano, temos aumentado significativamente o número de analfabetos funcionais, pois as avaliações têm demonstrado que aproximadamente 50% dos nossos estudantes chegam ao quinto ano do ensino fundamental sem conseguir ler um texto de cinco linhas e contar o que entendeu. Aí residem as consequências dessa decisão de se deixar para depois, de empurrar todas as crianças para as séries seguintes, mesmo que sem condições e despreparadas para assumir a nova fase escolar. Fundamentalmente, passar o aluno do primeiro para o segundo ano sem que ele esteja devidamente alfabetizado é uma desumanidade com o futuro das nossas crianças, pois com essa atitude comprometemos a vida escolar de um grande número de estudantes.

Leia também:Alfabetização até os 8 anos? (artigo de Luiz Carlos Faria da Silva, publicado em 29 de dezembro de 2015)

Leia também:A importância de alfabetizar desde cedo (artigo de Carlos Nadalim, publicado em 7 de novembro de 2016)

Além do analfabetismo funcional como consequência deste adiamento da alfabetização, temos de observar que verificamos um grande número de abandonos na segunda etapa do ensino fundamental. E a explicação é muito simples: nessa etapa, em todas as disciplinas, os conhecimentos são apresentados em forma de problema ou enunciado. Para compreender o que se pede, o estudante precisa necessariamente saber ler e interpretar. Entretanto, como mais de 50% deles não estão devidamente alfabetizados, as escolas acabam minimizando a profundidade dos conteúdos e conhecimentos, para não terem um grande número de reprovação, acima do aceitável. Com isso, prejudicamos a todos os estudantes com este nivelamento inferior, e mantemos o “pacto da mediocridade” na nossa educação.

Soma-se a isso o grande medo de prefeitos e governadores de não conseguirem manter – ou de terem diminuídas – as médias (que já são baixas) de suas regiões nas avaliações de ensino. Então, notamos que é mais fácil manter as aparências e continuamos empurrando nossa juventude para a escuridão.

Ademar Pereira é presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep).
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