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Qual o legado da intelligentsia?
| Foto: Fabio Abreu

Thomas Sowell define “intelectual” como aquele que vive das ideias, ou seja, cuja principal tarefa ocupacional é a produção de ideias. Nesse sentido, pesquisadores científicos e engenheiros, que também vivem do intelecto, não fariam parte do grupo, que teria acadêmicos, professores, ativistas políticos e sociólogos como principais ícones, além de jornalistas.

Seu livro Intelectuais e Sociedade é bastante crítico à categoria, da qual ele mesmo faz parte, e o principal argumento é o de que esses intelectuais não são responsabilizados quando suas ideias produzem resultados nefastos. O processo de validação de suas ideias, ao contrário do que acontece com outros campos, é interno, não externo. Um engenheiro que planeja um prédio capenga terá exposta sua incompetência, mas um filósofo defensor do socialismo sempre pode alegar que deturparam suas ideias na hora de aplicá-las.

Outro grave problema com os intelectuais é que costumam apontar imperfeições em seu entorno, pregando utopias como alternativa. Isso é especialmente verdade no Ocidente. Como a civilização ocidental não está imune a erros e maldades, a intelligentsia foi capaz de documentar cada uma dessas manchas no currículo como se fossem exclusivas da “nossa sociedade”, sem levar em conta outras civilizações. Esses intelectuais aderiram ao que Sowell chama de “tirania da visão”, em que fatos e lógicas não costumam se sobressair.

E qual foi o legado dessas ideologias? No fim do livro, Sowell apresenta uma lista de exemplos que ilustram essa propagação de uma visão, mas que na prática contribuíram para a desintegração de laços sociais e minaram a confiança do povo em suas próprias sociedades. O autor reconhece que um histórico completo dos efeitos da intelligentsia demandaria um livro inteiro específico e muito maior, com vários volumes. Mas alguns casos já comprovam o perigo desses intelectuais.

A intelligentsia transformou as altas conquistas e recompensas de membros da sociedade de inspiração para outros em fonte de ressentimento e sofrimento para terceiros. Ela também ajudou no desprezo aos aspectos positivos de americanos mundo afora, como filantropia, tecnologia e medicamentos que salvam vidas, tudo transformado em erros ou defeitos.

Os intelectuais colaboraram com a visão de que aqueles que nada produzem para a sociedade têm o direito de só reclamar, organizar protestos, pois os outros não estariam fazendo o suficiente por eles. Ou seja, transformaram parasitas em vítimas do sistema, e racionalizaram o vandalismo e atos ilícitos como luta legítima dos “oprimidos”.

Ao focar na “parcela justa” de cada um sobre o que é produzido pelo coletivo, os intelectuais colocaram no mesmo nível quem produz e quem nada produz, como se a desigualdade de resultado fosse um problema em si. A intelligentsia, ao adotar uma visão da economia como jogo de soma zero, influenciou o pobre a acreditar que o rico é rico por causa da sua pobreza, espalhando ressentimento e inveja.

Heróis de guerra que se arriscaram para defender nossas liberdades acabaram sendo tratados como vítimas que devem ser motivo de pena em vez de indivíduos corajosos cujo comportamento deve ser emulado.

Nas salas de aula, os intelectuais conseguiram substituir o papel da educação para preparar os alunos para a vida em pura doutrinação ideológica, num processo cujas conclusões já são dadas pelos próprios “ungidos”, dispensando o jovem de pensar por conta própria para tirar suas conclusões. De forma arrogante, esses intelectuais não tratam suas ideias como hipóteses a serem testadas, e sim como axiomas a serem seguidos ou mesmo impostos aos demais.

Esses intelectuais romantizaram sociedades bárbaras e atrasadas, que deixaram seu povo na miséria, violência e caos, enquanto demonizaram as culturas que lideraram o mundo na criação de prosperidade, avanços medicinais e lei e ordem. A intelligentsia sempre foi eficaz na produção de desculpas para crimes, enquanto várias vezes colocou a polícia entre os vilões da sociedade. Ela também ajudou a desarmar cidadãos ordeiros, retirando seu direito de legítima defesa contra marginais.

Em vários temas distintos, os intelectuais ajudaram a transferir o poder decisório daqueles que são os maiores interessados no assunto e envolvidos em suas consequências diretas para aqueles políticos e burocratas distantes, que não precisam arcar com qualquer custo das próprias decisões.

Esses intelectuais também ocuparam boa parte da imprensa e filtraram informações relevantes para o público, sempre distorcendo a realidade para que ela se encaixasse em sua visão preconcebida. E, acima de tudo, esses intelectuais, ao exaltarem seu próprio papel enquanto denegriam a sociedade, jogaram seus membros uns contra os outros, criando divisão com base em critérios arbitrários e coletivistas fomentados pela própria intelligentsia.

Tudo isso coloca esses intelectuais em maus lençóis, e com razão. Talvez em nenhuma época anterior eles tiveram tanto poder e influência, e isso não serviu exatamente para construir um mundo melhor.

A evolução material em boa parte se deu a despeito dessas ideias, não por causa delas. E não é fácil expor esse histórico de estragos causados pela intelligentsia e, com isso, convencer esses intelectuais a mudar de postura, pois essa visão da sociedade também é uma visão deles mesmos como uma vanguarda ungida que deve liderar o mundo na direção do progresso. Os dados da realidade derrubariam essa visão arrogante desses “iluminados”, e por isso mesmo eles fogem dos dados como o diabo foge da cruz.

Mas não é possível tergiversar muito. Basta observar o século 20, com as ideologias totalitárias assassinas como o comunismo, o socialismo, o fascismo e o nazismo, ou analisar de forma imparcial o péssimo legado “progressista”, para concluir que os intelectuais têm muita culpa no cartório. O livre mercado, a língua, os laços sociais e até as leis costumam ser formações mais espontâneas e naturais, de baixo para cima, e demanda humildade reconhecer isso. Nossos intelectuais preferem cuspir nessas instituições e remodelar o mundo à sua imagem, como se deuses fossem. Aí é que mora o perigo...

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.

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