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 | Justin Renteria for The New York Times
| Foto: Justin Renteria for The New York Times

Já conhecemos as histórias terríveis de agentes federais entrando em prédios de apartamentos e lojas de conveniência, passando nas portas das escolas na hora da saída das crianças para localizar, intimar e deportar imigrantes, mas pouco se ouve falar sobre o trabalho forçado – que alguns chegam mesmo a chamar de escravidão – dentro dos centros de detenção nos Estados Unidos. Porém, novos desafios legais a essas práticas estão obtendo sucesso e podem tornar impraticável o plano de deportação do governo simplesmente acabando com os lucros gerados por essas unidades.

Sim, a detenção é comércio. Em 2010, os presídios privados e seus financiadores e investidores fizeram lobby e convenceram o Congresso a aprovar uma lei exigindo que o Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas mantivesse contratos para, no mínimo, 34 mil leitos/noite. Isso significa que, quando as detenções estão mais vazias, aqueles que em outras circunstâncias seriam liberados por não representar perigo ou risco de fuga, e teriam grandes chances de ganhar seus casos no tribunal de imigração, permanecem trancafiados, a um custo para o governo de aproximadamente US$ 125 por dia.

As pessoas mantidas nessas instalações fazem quase todo o trabalho que as mantém em funcionamento, exceto a vigilância – e que inclui cozinhar, servir e limpar todo o prédio, lavar roupa, cortar cabelo, pintar, polir o piso e até fazer a manutenção dos veículos. A maioria paga US$ 1 por dia, mas alguns não geram nenhuma remuneração.

Trabalhadores sob custódia da imigração já sofreram ferimentos e até morreram. Em 2007, por exemplo, Cesar Gonzalez morreu em um centro, no condado de Los Angeles, quando a britadeira que usava atingiu um cabo elétrico, expondo-o a uma corrente de 10 mil volts. Ele fazia parte da equipe que abria buracos para os postes de extensão do perímetro do campo.

Trabalhadores sob custódia da imigração já sofreram ferimentos e até morreram

Nesse caso, foi crucial a decisão da Divisão de Segurança e Saúde Ocupacional da Califórnia, determinando que, apesar da situação de detento, Gonzalez também era empregado, e que seu empregador tinha violado as leis trabalhistas estaduais.

Duas das maiores empresas do setor de detenção do país – a GEO e a CoreCivic, conhecida como CCA – estão sob ataque, respondendo a cinco processos judiciais que denunciam o trabalho obrigatório e os turnos de oito horas por remuneração baixa ou inexistente como ilegais. Além disso, acusam as companhias de violar as leis estaduais do salário mínimo, o Ato de Proteção às Vítimas de Tráfico e as regras que proíbem o enriquecimento ilícito.

Os autores têm um caso sólido. O trabalho forçado é constitucional contanto que seja condição de punição, definido no adendo às proibições à escravidão na 13.ª Emenda. Só que, em 1896, a Suprema Corte determinou que “a ordem de deportação não é punição por crime”. Por isso, embora os presídios privados possam exigir a execução de tarefas para “punir” ou “corrigir” os detentos, os juízes dos três casos decidiram que isso não vale para os centros de detenção de imigração. Em outras palavras: a GEO exigir que os residentes dessas instalações trabalhem tem o mesmo valor legal que as casas de repouso do governo forçarem os velhinhos a limpar o box do banheiro do vizinho.

A própria defesa da GEO dá uma ideia do quanto seus lucros dependem do trabalho forçado das pessoas que mantém encarceradas. Em 2017, depois que o juiz federal John Kane deu ganho de causa a uma ação trabalhista proposta pelos detidos do centro da empresa em Aurora, no Colorado, ela entrou com uma apelação alegando que o processo “representa um potencial de risco catastrófico à capacidade da GEO de honrar com seus compromissos com o governo federal”.

Rodrigo Constantino: Imigração descontrolada (16 de fevereiro de 2017)

Leia também: A Europa dos refugiados (artigo de Jorge Fontoura, publicado em 17 de agosto de 2017)

Registros legais sugerem que a GEO pode estar pagando algo entre 1,25% a 6% do salário mínimo, e apenas 0,5% do que os contratantes federais devem pagar, em obediência ao Ato de Contrato de Serviço. Se os requerentes ganharem, a GEO será obrigada a desembolsar milhões de dólares em pagamentos salariais retroativos para até 62 mil pessoas, sem mencionar os adicionais daqui para a frente. E isso só em uma de suas unidades.

A apelação acabou sendo um tiro pela culatra. Durante a exposição oral dos argumentos, em meados do ano passado, o advogado da empresa defendeu o programa de trabalho explicando que os detentos de Aurora “decidem se vão consentir ou não no cumprimento do trabalho”. O juiz se pronunciou: “Como também decidem se vão comer ou ser postos na solitária, né? Porque escravo tem opção, não é mesmo?” Em fevereiro, o painel do Décimo Circuito votou unanimemente pelo prosseguimento do caso.

Além disso, em 2017, a GEO foi processada por violações trabalhistas na filial de Tacoma, em Washington. Em outubro, o juiz Robert Bryan, indicado por Ronald Reagan (!), negou o pedido de indeferimento dos casos feito pela empresa e, pela primeira vez, permitiu que aqueles referentes às leis do salário mínimo estadual tenham prosseguimento, como também os de trabalho forçado e enriquecimento ilícito.

Os lucros da GEO dependem do trabalho forçado das pessoas que mantém encarceradas

Em 7 de março, 18 parlamentares republicanos – dos quais 12 são donos de presídios privados dentro ou nas cercanias de seus distritos eleitorais – enviaram uma carta à chefia dos Departamentos do Trabalho, Justiça e Segurança Interna para reclamar dos processos. E chegaram a ameaçar as agências, dizendo que, se elas não interviessem na proteção das empresas, “as iniciativas de aplicação do controle imigratório estariam comprometidas”.

Quem comemora esse resultado deve continuar otimista, pois as medidas exigidas pelos deputados e senadores – incluindo uma declaração do governo afirmando que os detentos “não são empregados” e que as leis federais do salário mínimo não se aplicam a eles – não suspendem os processos. Pronunciamentos ministeriais não derrubam estatutos. Contanto que os juízes obedeçam às leis, uma parcela maior dos verdadeiros custos da deportação vai começar a aparecer nos livros-caixa.

Se o preço do sofrimento humano não impede a barbárie do encarceramento com base no local de nascimento, quem sabe o rombo na carteira do contribuinte consiga fazê-lo.

Jacqueline Stevens é professora de Ciências Políticas e dirige a Clínica de Pesquisa de Deportação da Universidade Northwestern.
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