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 | Geraldo Magela/Agência Senado
| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Muito se tem criticado o projeto do Senado Federal que trata dos abusos de autoridade. Por quais razões há tanta ojeriza, má vontade, aversão, antipatia ao projeto? Promotores e procuradores, juízes e delegados querem ficar impunes? Querem abusar do poder sem limites? Não foi essa a intenção do procurador-geral da República e do juiz Sergio Moro ao apresentarem sugestões para sua melhoria.

A ojeriza ao projeto decorre do objetivo, do intuito pelo qual ele veio a lume. Não é uma proposta de lei qualquer, pois por meio dela se pretende impedir as investigações e punições envolvendo o desvio do dinheiro público.

Pelo substitutivo ao projeto, os policiais cometerão crimes de abuso de autoridade em inúmeras situações, das quais destaco duas: se deixarem de identificar-se ao preso, por ocasião de sua captura ou do interrogatório (artigo 16); ou se submeterem o preso ao uso de algemas (artigo 17). Para tirar as algemas dos políticos, estão tirando as algemas de todos. Dias atrás, um preso, mesmo algemado, conseguiu tomar a arma do policial e o baleou. Como ficará a segurança dos policiais? Eles vão poder trabalhar? O policial vai precisar pedir comprovante de que se identificou no momento da prisão? E se o preso recusar?

Não há problema em uma lei de abuso de autoridade, desde que não seja feita pelos investigados e acusados da Lava Jato

Pelo projeto de lei, um juiz pode cometer crime de abuso de autoridade ao determinar uma prisão preventiva (artigo 9.º) ou se não soltar um preso (§ único); se decretar uma condução coercitiva (artigo 10), e ao decretar ou levantar uma hipótese de sigilo (artigos 33, § único, e 29). Promotores e procuradores podem incidir em crimes ao requisitarem a instauração de um procedimento investigatório (artigo 28), mas também se deixarem de fazê-lo (artigo 36). Dar início a persecução penal, com abuso de autoridade, é crime (artigo 31), mas o projeto não esclarece o que considera como abuso.

Há, ainda, outras pérolas: haverá crime se o réu não puder se sentar ao lado do advogado (§ único do artigo 20), ou se o preso for fotografado ou filmado (artigo 14).

O crime previsto no artigo 13, inciso III, proíbe o réu de produzir provas contra si ou contra terceiros e, portanto, enterra as delações premiadas. Aqui fica muito nítido o objetivo principal do projeto.

Outras duas condutas empregadas ao longo da Operação Lava Jato também passarão a ser proibidas: a já mencionada condução coercitiva de investigado e a divulgação de gravação ou trecho de gravação (artigo 29). Querem criminalizar a conduta do magistrado que ousou aplicar a lei aos poderosos, apenas porque entendeu que todos deveriam ser tratados igualmente, como afirma a Constituição.

Este projeto não busca apenas punir os abusos de autoridade; busca proteger os responsáveis pelo desvio do dinheiro público, intimidando policiais, juízes e promotores para que não executem suas funções.

Não há problema em votar uma lei de abuso de autoridade, desde que essa lei não seja feita pelos investigados e acusados da Operação Lava Jato. Aliás, não há nenhum artigo que preveja crime de abuso de autoridade para membros do Poder Legislativo – embora o projeto os mencione na introdução (artigo 2.º, II), deles esquece quando estabelece os crimes. Votar leis em causa própria, em detrimento do dinheiro público e contra os direitos da população seriam bons motivos para lembrar.

Ricardo Prado Pires de Campos, procurador de Justiça, é 2.º vice-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD).
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