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| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Sempre que a economia não vai bem, volta à tona o debate sobre uma eventual reforma trabalhista. Mas qual reforma é esta e por que ela seria necessária?

Primeiramente, importante entender que o Direito do Trabalho se divide em dois grandes ramos, o Direito Individual e o Coletivo. O Direito Individual trata das questões que envolvem empregados e empregador, diretamente, enquanto o Direito Coletivo, das questões que envolvem o grupo de empregados e empregadores, que no Brasil, em primeiro plano, são representados pelos sindicatos.

A propalada reforma trabalhista que atualmente se discute é aquela que visa, principalmente, intervir nas relações coletivas de trabalho, com reflexos diretos sobre os contratos individuais de trabalho (Direito Individual). Pretende-se que o “negociado” se sobreponha ao “legislado” – entende-se por “negociado” aquilo que os sindicatos negociam a favor da classe que representam e que se transforma em cláusulas de uma convenção ou acordo coletivo. Ademais, nesta mesma senda, vem o debate sobre a terceirização na atividade-fim, sob o argumento de que é um meio de impulsionar a economia.

A negociação coletiva não pode ser um mero instrumento de gestão empresarial

É importante que se diga, neste ponto, que o grande erro é imputar ao Direito do Trabalho o ônus da economia frágil, advogando que reduzir direitos trabalhistas é uma forma de salvar a economia. A crise que vivemos tem origem própria, que não pode ser creditada aos trabalhadores e aos seus direitos, pois, muito pelo contrário, são estes que movem a economia. Ou seja, se eu, enquanto empregador, pago bons salários ao cidadão-empregado, este por sua vez vai consumir mais e isso só pode melhorar o panorama econômico do país e, em consequência, da minha empresa, criando um círculo virtuoso.

É falsa a ideia de que precisamos “flexibilizar” porque o Direito do Trabalho brasileiro possui regras muito rígidas. Já temos grande gama de flexibilização (diminuir a rigidez das normas trabalhistas), que não pode se confundir com precarização (ausência de direitos trabalhistas). Como exemplos de flexibilização temos a redução de salário e jornada em momentos de crise das empresas, banco de horas, terceirização na atividade-meio, ou cooperativas.

Os sindicatos dos empregados já existem para sobrepor o negociado ao legislado, mas quando a negociação favorece o empregado ou ao menos para negociar uma determinada questão à luz da realidade de modo que, ainda que o resultado não seja tão favorável ao empregado, haja uma contrapartida, sob pena de se criar sindicatos para servirem aos interesses da economia e do capital e não da classe trabalhadora a qual representa. Portanto, a negociação coletiva não pode ser um mero instrumento de gestão empresarial. É preciso analisar caso a caso para que o arcabouço teórico-legislativo não se sobreponha à realidade social, e sim para que a realidade social seja analisada à luz do arcabouço teórico. Há de se usar o princípio da razoabilidade, para que se possa considerar as condições das micro e pequenas empresas, que, obviamente, não podem, sob o aspecto do negociado e legislado, se igualar em condições às grandes empresas.

Portanto, respondendo às perguntas iniciais, a reforma de que necessitamos é aquela que fortaleça os sindicatos para que possam negociar com legitimidade, de igual para igual. E isso só será possível quando o Brasil ratificar a Convenção 87 e 158 da OIT. Ou seja, é necessário dar garantia de emprego ao empregado para que este possa participar das lutas sindicais sem medo de uma dispensa arbitrária ou injusta. É preciso acabar com a base territorial mínima e o sindicato único, o que permitiria a formação de sindicatos por empresas e, finalmente, assim, os sindicatos poderiam sobreviver da contribuição associativa, sem a contribuição obrigatória, que também seria extinta. Destarte, se alguma reforma deve ser feita para que o negociado se sobreponha ao legislado, primeiro é necessário que se faça a reforma sindical.

Quanto à terceirização na atividade-fim, esta deve ser rechaçada, pois correríamos o risco de criar empresas que nada produzem e que só administram as suas terceirizadas, explorando a mão de obra alheia. A terceirização na atividade-meio já está regulamentada pela Súmula 331 do TST, que tem cumprido o seu papel de forma razoável.

Finalmente, é fato que, na relação empregado e empregador, todos ganham quando os direitos trabalhistas são respeitados sem que ninguém leve vantagem sobre o outro. E para que isso ocorra é necessário equilíbrio de forças entre os sindicatos de empregados e de empregadores. Esta é a reforma necessária.

Leda Maria Messias da Silva, mestre, doutora e pós-doutora em Direito do Trabalho, é professora da Universidade Estadual de Maringá e do Unicesumar.
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