• Carregando...
Lenin e Stalin em Nijni Novgorod.
Lenin e Stalin em Nijni Novgorod.| Foto: Wikimedia Commons

Se ideologia é apenas concepção ou visão de mundo, como pensa a maioria das pessoas, então não serve para qualquer análise objetiva e independente da realidade: afinal, todos temos alguma concepção de mundo, por mais tosca ou elaborada que seja. Estamos no reino da opinião. Mas a ideologia tem uma pretensão maior: ser algum tipo de conhecimento, coisa que não é.

E não é conhecimento simplesmente por ser uma crença aceita pela coletividade, ou seja, por dizer respeito a grupos, partidos, seitas, sexos etc. O coletivismo, aliás, é exemplo da nocividade das ideologias. Pessoas podem crer no que quiserem sem ter de apresentar razões para isso. Basta-lhes a crença. Mas grupos organizados têm, ainda que implicitamente, o dever – embora nem sempre requisitado – de dar alguma justificação às crenças que defendem, notadamente os partidos políticos, lugar de exercício pleno das ideologias que ambicionam o poder.

Conhecimento, define a epistemologia, é crença verdadeira justificada. Consequência: você pode acreditar no que quiser, inclusive em ETs ou fantasmas, mas sua crença não pode ser justificada – pelo menos por meios racionais. Já o conhecimento, como crença verdadeira justificada, deve ser comprovado mediante métodos reconhecidos lógica e cientificamente. O conhecimento é verdadeiro ou não é conhecimento. O falso não é objeto de conhecimento. Não obtemos crenças verdadeiras através de falsidades.

Exemplo: uma afirmação é verdadeira se, e somente se, corresponde à realidade e é reconhecida como tal, independentemente de vieses, preferências ou escolhas subjetivas. Uma teoria é ou pode ser científica, jamais ideológica. Ideologias não se submetem ao teste da refutação pela experiência. Dão as costas à história (testemunha, aliás, de suas atrocidades).

A ideologia é irmã da utopia: é idealização de um mundo que não existe e, se existir, será totalitário. Não pode, por isso, ser confundida com projetos ou planos racionalmente elaborados, que tanto as pessoas quanto os partidos devem apresentar para atingir resultados. Trata-se da articulação entre meios e fins – e fins não justificam os meios, como atestam, com exemplos sempre catastróficos, as próprias ideologias.

Russell Kirk tem razão em dizer, em A política da prudência, que “‘Ideologia’ não significa teoria política ou princípio, embora muitos jornalistas e alguns professores, comumente, empreguem o termo nesse sentido. Ideologia realmente significa fanatismo político – e, mais precisamente, a crença de que este mundo pode ser convertido num paraíso terrestre (...). O ideólogo – comunista, nazista ou de qualquer afiliação – sustenta que a natureza humana e a sociedade devem ser aperfeiçoadas por meios mundanos, seculares, embora tais meios impliquem uma violenta revolução social”.

O século 20, justamente chamado “o século das ideologias”, foi pródigo em destruição e derramamento de sangue. Fascismo, nazismo e comunismo são seus símbolos totalitários mais visíveis. A ideologia prometeu o paraíso terreno à humanidade, mas o que legou, observa ainda Kirk, “foi uma série de infernos na Terra”.

Por isso é lícito perguntar: há alguma razão para, em pleno século 21, reivindicar ou defender ideologias – quaisquer que sejam –, já que passam ao largo do compromisso com a realidade, a verdade e a análise da história? Não parece haver resposta favorável, à exceção das “esquerdas”, que se aferram ao conceito e, por isso mesmo, também dão as costas à experiência histórica.

Em suma: programas, projetos, princípios, ideias e valores, sim. Ideologia, não, inclusive em relação aos partidos. Precisamos é de conhecimento – não de um pacote fechado ao qual a realidade deve necessariamente ser submetida, como é o caso das ideologias.

Orlando Tambosi é professor aposentado da UFSC e autor de "Perché il Marxismo ha Fallito" e "A Cruzada Contra as Ciências".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]