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Queremos ser como a China?
| Foto: Wikimedia Commons

6h45. Estava retornando dos meus cinco quilômetros diários de corrida quando meu smart watch sinalizou: “Entrada regular de [nome] na escola”. Como acabamos de mudar nosso filho para uma nova instituição de ensino, não esperava essa comunicação, e nem mesmo esse tipo de controle. Fiquei curioso e só então descobri que eles usam biometria para controlar o acesso das crianças, sinalizando quando eles atravessam as catracas de acesso à área interna.

Seguro? Moderno? Inovador? Será?

Em primeiro lugar, posso afirmar que é ilegal. Sim, isso mesmo. Não é por querer dar um ar de proteção e cuidado com meu filho que o ato de coletar sua biometria, sem meu consentimento inequívoco, deixaria de constituir crime. Consistindo num cuidado que as escolas obrigatoriamente precisam ter. Não só para casos como o de utilizar digitais, ou registro da palma da mão para liberar acesso, mas também para manter e publicar uma simples foto. Aquele lindo balé do fim do ano, com o rosto feliz de uma bela estudante, caso não tenha sido autorizado, estará ferindo o normativo atual.

Por serem crianças, suas imagens, impressões digitais e qualquer forma de identificação individualizadas são, pela Lei Geral de Proteção de Dados, consideradas como dado sensível. Isso equivale a dizer que precisam de um tratamento ainda mais especial do que o mero dado pessoal de um adulto. Mas a questão não para por aí.

Precisamos ser cautelosos quando se utiliza de riscos concretos – como, no caso, o de segurança – para implementar soluções aparentemente inocentes, porém com grande potencial para se tornar um problema no longo prazo. O que, neste caso em específico, se trata da formação de uma cultura do controle.

Muito se critica a China por todos os seus dispositivos de inteligência artificial voltados ao controle social, como câmeras em contínuo reconhecimento facial, ranking pessoal com base no comportamento e assim sucessivamente. Entretanto, quando optamos, sem questionar, por permitir captura de biometria para acesso às escolas, da íris no caso de alguns condomínios, ou da face em certos bairros privados fechados, estamos afirmando que aceitamos o controle. Da aceitação deste fato ao de monitoramento contínuo nas ruas será um pulo. O que se une ao mapeamento sobre você realizado por meio de soluções governamentais como o Pix e, no futuro, o Real Digital; ou mesmo o Open Bank e o Open Insurance.

Com dados, redes sociais foram capazes de mudar eleições, apenas estimulando, ou desestimulando, a participação ou a escolha do eleitor. Imagine governos com acesso a uma gama muito maior das suas informações. Uma câmara ali, um sensor aqui, um dado pessoal inocentemente capturado acolá. Uma movimentação financeira num outro ponto, a informação histórica sobre seus problemas de saúde e mais pequenas capturas sobre você que não são percebidas. Um caminho e uma tendência que vão minando sua estranheza a esse tipo de intromissão, reduzindo sua resistência até o ponto em que o controle total se instala.

Então, resista no que for possível, programando seu smartphone para não permitir ser rastreado por aplicativos, exigindo que a lei sobre proteção de dados seja implementada e não trocando informações pessoais por pseudobenefícios. Não forneça seu CPF desnecessariamente, nem assine consentimento sobre uso de dados pessoais sem optar por restringir.

Garantir seu direito constitucional sobre seus dados não pode ser tarefa apenas delegada ao Estado; precisa ser realizada também por cada um de nós. Opor-se à cultura do controle exige um esforço, mas precisa ser buscado; afinal, o que distingue uma sociedade democrática é a liberdade, e é justamente esse ponto que se encontra em risco.

Christiano Sobral, advogado, administrador e programador, é Law Master em Direito Digital, mestre em Estratégia e especialista em marketing, finanças, economia e negócios.

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