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Homem usando quipá diante de uma sinagoga durante uma manifestação contra o antissemitismo realizada em outubro, em Munique.
Homem usando quipá diante de uma sinagoga durante uma manifestação contra o antissemitismo realizada em outubro, em Munique.| Foto: Christof Stache / AFP)

O mundo ocidental, ao menos desde o Iluminismo, foi construído sobre argumentos baseados em evidências. No último quarto do século XX, porém, os ideais iluministas foram minados pelo pós-modernismo, com sua mudança para a “narrativa” como fonte de significado – um convite à fraude. O que se seguiu, finalmente, foi a era das notícias falsas e dos embustes, como no caso da narrativa inventada de “conluio russo” que deu origem a um dos maiores escândalos políticos da história americana.

Quando o se trata de fake news, os judeus ouviram tudo nos últimos 2.000 anos – desde a acusação de deicídio ao envenenamento de poços, de "Os protocolos dos Sábios de Sião" e as fervorosas especulações de Henry Ford até as mais recentes falsas narrativas sobre as perfídias do Estado sionista. Mas a França do século XXI acrescentou tristemente novas reviravoltas. Em seu artigo inovador “Revisitando Netzarim Junction e o nascimento das fake news”, o professor da Universidade de Boston, Richard Landes, desempacotou o notório caso de Al-Durra, que ocorreu em 2000 e envolveu o aparente assassinato de um garoto de nove anos por soldados israelenses durante um suposto tiroteio na Faixa de Gaza.

Filmado com a habilidade da televisão pública francesa, a cena que descreve israelenses sob uma luz feia viralizou. Ela ajudou a produzir uma intifada em Israel; na França, gerou hostilidade árabe e islâmica em relação aos judeus franceses, como Mark Weitzman narra em seu fascinante livro Hate: The Rising Tide of Anti-Semitism in France [Ódio: a ascensão do antissemitismo na França].

O livro de Weitzman apareceu originalmente como uma série de artigos na revista online americana Tablet, para a qual ele se dirigiu devido à falta de interesse na França, onde as elites temiam que mesmo discutir o assunto encorajasse a islamofobia. O uso moderno do termo “islamofobia” foi amplamente iniciado por iranianos após a desastrosa revolução de 1979 em seu país.

Como explica o filósofo Pascal Bruckner, esse novo crime de pensamento foi projetado com um duplo objetivo. Primeiro, equipara a crítica ao Islã ao racismo – um conceito estranho, já que o Islã inclui brancos na Bósnia, negros no Camarões e árabes de pele morena-oliva no norte da África, bem como seus irmãos religiosos de pele mais escura. “O segundo objetivo, ainda mais importante”, observa Bruckner, “era forjar uma arma de coação contra os muçulmanos liberais que ousavam criticar sua fé e pediam reformas”.

O livro Hate examina vários assassinatos de judeus franceses por islâmicos em detalhes consideráveis, incluindo o sequestro, a tortura e o assassinato, em 2005, de Ilan Halimi, de 23 anos; o ataque, em 2012, a uma escola religiosa judaica em Toulouse; e o espancamento, tortura e assassinato, em 2017, da médica judia Sarah Halimi (não relacionada a Ilan Halimi). Mohammed Merah, o autor dos ataques de Toulouse, assassinou primeiro três soldados franceses e depois atacou uma escola judaica, onde ele matou o rabino, dois dos filhos pequenos do rabino e uma menina de oito anos. Merah, que não escondia sua lealdade à Al-Qaeda, foi baleado pela polícia após um longo cerco.

Durante grande parte dos últimos 20 anos, o assassinato de judeus na França foi explicado como a ação de “lobos solitários”, maníacos dementes ou delinquentes juvenis em busca de emoção. Como tudo isso acontecia no contexto do conflito árabe-israelense, alguns especulavam que o astuto Mossad estava por trás dessas atrocidades, com a intenção de despertar a simpatia por Israel. Teria sido uma coincidência o fato de o massacre de Charlie Hebdo ter ocorrido pouco antes da eleição israelense de 2015? Além disso, havia um argumento fundamental: Israel era uma potência neocolonial, de modo que o Estado judeu e os judeus na França estavam recebendo o que mereciam.

Em The Lion’s Den: Zionism and the Left from Hannah Arendt to Noam Chomsky [O covil do leão: sionismo e a esquerda, de Hannah Arendt a Noam Chomsky], Susie Linfield, uma apoiadora liberal de Israel, explica os argumentos de oito escritores de esquerda cujos compromissos ideológicos os cegaram às realidades do Oriente Médio. O marxista Maxime Rodinson, por exemplo, comparou Maomé a Stalin. “Ambos eram homens de convicção que se tornaram estadistas”, escreveu ele. “Em ambos os casos, os verdadeiros fieis foram forçados pelas circunstâncias a enfrentar a realidade, a mudar e a recorrer ao uso do poder”. Mais importante, Rodinson, um dos centros das atenções da chamada nova esquerda, exemplificou uma mudança conceitual de foco no antifascismo para uma obsessão pelo anticolonialismo, que perdurou muito depois que os Estados dominados alcançaram a independência.

O escritor franco-judeu Albert Memmi, outra figura discutida por Linfield, merece ser mais conhecida. Amigo de Camus e homem de grande sutileza, Memmi compreendeu a culpa pós-colonial dos escritores europeus, mas também notou sua tendência a distorcer a análise das realidades contemporâneas. Escrevendo sobre o norte da África, seu país natal, Memmi se refere a pessoas “que não são mais colonizadas”, mas “às vezes continuam acreditando que são”. No memorável The Colonizer and the Colonized [Colonizadores e colonizados] de Memmi, a vergonha dos colonizados é mostrada como um obstáculo à autoavaliação realista. Depois da era colonialista, quando alguns esquerdistas ocidentais saudaram Saddam Hussein, Memmi viu que o chamado Terceiro Mundo (exceto a China) tinha falhado em alcançar uma alternativa ao capitalismo.

O terceiro-mundismo permanece vivo na adulação da esquerda pela Palestina, onde o antissemitismo se transformou em antissionismo - e vice-versa. Israel, segundo Linfield, é “o teste de Rorschach da esquerda”, que “se retorceu em apoio a alguns dos regimes mais sádicos do mundo”.A essência de seu livro está em seu capítulo de abertura, sobre Hannah Arendt, e em seus capítulos finais, sobre I. F. Stone e Noam Chomsky. O que essas figuras têm em comum, afirma Linfield, é a elevação da ideologia sobre as evidências.

Arendt, escreve ela, “baseou sua análise do conflito judaico-árabe e sua crença inabalável de que o mundo antinacional e antissoberano estavam na próxima esquina”. A própria ideia de um Estado judeu soberano era emocionalmente repulsiva para Arendt e ela nunca mudou de ideias, nem mesmo depois que a década de 1950 deu origem a uma profusão de novos Estados soberanos.

No final de década de 1940, Stone, em Israel, notou a proeminência dos nazistas recentemente ativos lutando pelos árabes na guerra israelense pela independência. Mas com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Stone, escrevendo em Nova York, viu a idéia da soberania judaica como uma abominação. Ele escreveu como se os palestinos e seus aliados fossem imagens espelhadas dos israelenses, com o acréscimo de um grupo pacifista. Mas não havia contrapartida árabe aos pacifistas judeus. Ao escrever para a New York Review of Books, Stone nunca tratou da importância do Islã radical para a “resistência” palestina. O mesmo vale para Chomsky, que, baseado em um único pretenso documento, alegou que os palestinos haviam oferecido a paz apenas para vê-la rejeitada pelos israelenses.

Na França, os israelenses eram frequentemente representados em veículos de elite como Le Monde ou Nouvelle Observateur como opressores europeus privilegiados. A oposição à vilania sionista expiaria, em parte, o papel francês então repudiado na colonização da Argélia. Mas os críticos franceses (e americanos) do sionismo têm uma imagem distorcida da história sionista. Eles tiraram proveito da leitura de Spies of No Country: Secret Lives at the Birth of Israel [Espiões de nenhum país: vidas secretas no nascimento de Israel], de Matti Friedman. O autor refuta a explicação, agora consolidada, das origens de Israel como uma criação de judeus europeus, ideia que facilita a definição de Israel dentro do modelo colonialista europeu.

É comum ouvir, como diz a congressista Rashida Tlaib, que os palestinos estavam sobrecarregados em “acolher” refugiados de Hitler e do Holocausto. A jornalista Helen Thomas notou expressamente que Israel deveria fechar as lojas e que os judeus deveriam “voltar para casa” na Europa. Mas mais da metade da população judaica israelense de hoje tem pelo menos ascendência parcial de Mizrachi, o que significa que eles ou seus ancestrais se originam no mundo judaico não-europeu. Quase um milhão de judeus foram pressionados a sair ou foram expulsos do mundo árabe – e do Irã, do Afeganistão, da Etiópia e da Índia. Depois de 1948, a maioria acabou em Israel.

Os Mizrachins, amplamente ignorados por pessoas como Arendt, Stone e Chomsky, complicam a história, vendida por islamistas a seus aliados de esquerda, de que Israel é uma nação de colonos-colonialistas brancos, que chegaram para subjugar os nativos de pele escura. Esses relatos revelam uma ignorância empírica inflada pela inspiração ideológica. Eles criaram narrativas mal-informadas, nas quais muitos creem, nesses dias finais do Ocidente iluminista.

Fred Siegel é editor colaborador do City Journal e autor de “The Revolt Against the Masses: How Liberalism Has Undermined the Middle Class”.

©2019 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.
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