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É inútil ir à batalha, quando não se sabe quem é o inimigo. Quem assim age assemelha-se a crianças que fecham os olhos e desferem murros contra o vento no pátio da escola. São esses que dão o sentido correto ao adjetivo “quixotesco”. Mas esse dado de experiência pode ser descrito de um modo menos literário. Pode-se dizer que ignorar as raízes dos males atuais enquanto se põe a lutar é tarefa vã e até perigosa, pois quem não conhece as causas, dizia Aristóteles, não conhece verdadeiramente. E quem se coloca nessa situação fica à mercê da sorte ou do acaso. Assim, no caso concreto do Brasil, pelo desconhecimento do mal que ameaça o país, tanto mais distante se está de solucionar seus problemas quanto mais se ignora a causa de suas mazelas. Parece, porém, que vem de Hans-Georg Gadamer uma importante luz sobre o problema que se nos abate.

Em sua obra magna, Verdade e Método, Gadamer afirma que as sombras atuais sobre o conceito de autoridade advêm do período moderno. E ele parece ter razão. René Descartes inaugura esse movimento de suspeita ao declarar guerra às “antigas opiniões”, confiando tão somente no seu próprio julgamento. Mesmo que apenas metodologicamente, a sombra sobre o papel verossímil da autoridade dos antigos foi lançada. Immanuel Kant continua essa tradição com o seu já célebre “ouse saber – sapere aude”, que é um elogio à autonomia epistêmica contra dogmatismos infantis. Por fim, pode-se dizer que Georg Hegel continua essa corrente de pensamento ao objetivar o Espírito Absoluto como superação e fim da história, negando importância a qualquer autoridade, pois esta sempre estaria contraposta a uma sua antítese, a ser inexoravelmente superada por outra síntese, até o fim da história. Assim, Gadamer parece ter razão em afirmar que a noção de autoridade vem perdendo importância desde a modernidade. E esse desenraizamento é ruim para qualquer nação.

A noção de autoridade vem perdendo importância desde a modernidade

É Friedrich Nietzsche que, insuspeito de radicalismos, alerta para esse fato: “Há um grau de insônia, de ruminação, de sentido histórico, no qual o vivente se degrada e por fim sucumbe, seja ele um homem, um povo ou uma cultura”. Não é possível viver sob a égide do historicismo sempre. É preciso deixar a vigília e enraizar-se. Pois bem, a reabilitação da noção de autoridade é fundamental para a sobrevivência da nação, para seu enraizamento, para a reconstrução das bases do país, pois, sem esse conceito, é a própria razoabilidade que permanecerá submersa em interesses, violência e mercado. E, quando a razoabilidade perde sua preponderância, resta apenas a barbárie. Se o razoável não tem a última palavra na arena pública, cabe ao forte e ao poderoso o domínio sobre a nação. E assim as armas, o poder político e o monopólio do discurso surgem como naturais dirigentes dos rumos do Brasil, pois encontram-se sob uma das formas de opção ao racional: a violência, o interesse e o mercado surgem como caminhos de governo da nação. Todos esses caminhos são, na verdade, outros modos de exercer a barbárie, se não orientados e dirigidos pela razão.

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Contudo, aceitar passivamente esse estado de coisas não é a única opção. Aceitar que sindicalistas questionem a decisão unânime de dois tribunais legitimamente constituídos sem demonstrar suas razões não é a única opção; aceitar que jornalistas queiram pautar as escolhas técnicas de militares no pleno exercício de suas funções não é a única opção; aceitar que criminosos imponham suas leis em território onde vige a Constituição do Brasil não é a única opção.

Quando se nega indistintamente o direito de qualquer autoridade acerca de qualquer discurso, o que se faz é eleger a si próprio autoridade máxima sobre qualquer assunto. Pois não é possível tornar-se livre de toda herança que nos envolve e conforma. É urgente reabilitar o conceito de autoridade para que as instituições funcionem. Certamente essa não é a única tarefa do nosso momento histórico, mas é um ponto de máxima importância.

Robson de Oliveira é professor de Filosofia da PUC-Rio, diretor do Centro Dom Vital e do CTSmart.
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