• Carregando...
 | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

O clima pós-eleições no Congresso Nacional não tem sido favorável para algumas pautas que vêm se arrastando ao longo do tempo, em virtude do fim de governo e, ao mesmo tempo, pela expressiva renovação das cadeiras para 2019, o que vem servindo de argumento para que parlamentares deixem determinados assuntos para a nova gestão.

Uma das pautas que entra nesta lista é a reforma da Previdência. O atual governo vem afirmando que insistirá em votá-la, mas os dois candidatos à Presidência já sinalizaram que desejam rever o texto e que não concordam com o que está sendo proposto. Fato é que, fim de governo ou início dele, Brasília precisa tomar coragem para discutir o tema com seriedade e viabilidade, de forma que a Previdência continue a ser um vetor de proteção do mínimo existencial de boa parte da população.

Para entender a bomba que se pretende desarmar, é preciso antes entender e retomar o histórico de discussões e publicações relacionadas à Previdência. Tomemos como ponto de partida o ano de 1991, quando foram publicadas as duas principais leis que tratam da Previdência: a 8.212/91 (dispõe sobre a organização da Seguridade Social e institui o seu Plano de Custeio) e a 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social). Somente com a publicação dessas leis é que ficou regulamentada a matéria constitucional que trata da Previdência.

É melhor não alterar as aposentadorias atuais, mas criar novas regras para as aposentadorias futuras

A partir disso, não mais se encontravam distintos os regimes urbano e rural, passando a se falar apenas em Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Nesse mesmo ano, ocorreu a primeira mudança nesse modelo de previdência, no governo Fernando Collor, para fazer com que os benefícios levassem em conta a correção monetária, medida essencial no momento em que o Brasil via sua economia sofrer com a inflação.

Já em 1993 foi promulgada a Emenda Constitucional 3/93, durante o governo Itamar Franco, que instituiu o caráter contributivo da previdência no serviço público, ao determinar que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais seriam custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei.

Avançando para o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1998, as mudanças foram ainda maiores: a partir de então, não seria mais considerado o tempo de serviço do trabalhador, e sim o tempo de contribuição para o INSS, definido como 30 anos para mulheres e 35 para homens. Além disso, a reforma do governo FHC também implantou o fator previdenciário, por meio da Lei 9.876/99: uma mudança dos cálculos das prestações dos benefícios, conforme taxa pré-determinada que varia em razão do tempo de contribuição e da idade do segurado com a expectativa de duração do benefício.

Leia também: A Previdência e a ilusão (editorial de 24 de junho de 2018)

Leia também: A Previdência Social e a fábula do restaurante (artigo de William Baghdassarian e Lúcio Guerra, publicado em 16 de outubro de 2018)

No governo Lula, as mudanças tiveram como foco o funcionalismo público. Em 2003, a reforma cria um teto para os servidores federais, institui a cobrança da contribuição para pensionistas e inativos e altera o valor do benefício, que antes era integral. Em 2015, o Congresso aprova, durante o governo da presidente Dilma Rousseff, outra mudança que busca alterar a idade de acesso à aposentadoria integral. Segundo essa regra, conhecida como 85/95, os trabalhadores que somem sua idade ao tempo de contribuição e tenham como resultado 85 (para mulheres) e 95 (para homens) teriam direito a receber o benefício integral, sem levar em consideração a antiga regra do fator previdenciário.

Mesmo com essas tentativas de reformas, alguns problemas foram jogados para a frente, de mão em mão, de governo em governo, trazendo consequências para os dias de hoje. E é neste ponto que o novo governo deve se ater.

Dentre eles, encontra-se a criação das Desvinculações de Receitas da União (DRU), adotada em 1994, que aumenta a flexibilidade para que o governo utilize os recursos do orçamento nas despesas que considerar mais importantes. A situação ficou ainda mais grave com a promulgação da Emenda Constitucional 93/2016, que autoriza a desvinculação de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2023, de 30% da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral de Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas que vierem a ser criadas até a referida data.

Leia também: O rombo só aumenta (editorial de 22 de janeiro de 2018)

Leia também: Previdência privada obrigatória, por que não? (artigo de Renato Follador, publicado em 25 de setembro de 2017)

Outros problemas também configuram o cenário atual, tais como o agravamento do desequilíbrio entre receitas e despesas com o envelhecimento populacional, além da omissão de receitas ou negativas de contribuição por parte do governo e das empresas.

Neste ano, o presidente Michel Temer vem tentando aprovar uma reforma mais radical que altera diversos pontos do sistema previdenciário em vigor. Trata da Proposta de Emenda a Constituição 287/16. Mas a PEC ainda poderá sofrer alterações antes de ser aprovada. O governo pretendia, ao menos, estabelecer uma idade mínima para aposentadoria, de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens – hoje, é possível se aposentar pelo tempo de contribuição, independentemente de idade. Ao que tudo indica, o próximo governo deverá priorizar esta reforma.

O que se percebe é que as políticas previdenciárias ao longo do tempo foram delineadas sob a lógica de uma cobertura excludente na qual, em cada fase, apesar da expansão de benefícios, houve mecanismos de racionamento que tiravam do rol dos benefícios de diversos segmentos sociais.

O ideal é que a reforma apresentada pelo atual governo e que ficará sob a responsabilidade do próximo mandatário, em 2019, terá de ser feita pensando daqui para a frente, porque não se pode alterar o que já existe e tem suporte legal, sob o risco de se cometer uma ilegalidade que não será aceita pelo Judiciário em função do ato jurídico perfeito e do respeito aos direitos adquiridos. É melhor não alterar as aposentadorias atuais, mas criar novas regras para as aposentadorias futuras e adaptar melhor as normas à realidade social brasileira, fazendo com que a Previdência continue a ser um vetor de proteção do mínimo existencial de boa parte da população.

Rafael Laynes Bassil é especialista em Direito Previdenciário, Direito Processual Previdenciário e Direito Administrativo.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]