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Reforma tributária: perspectivas e desafios
| Foto: Marcello Casal/Agência Brasil

A reforma tributária, que visa a simplificação do sistema tributário nacional, é tema de amplo debate e interesse do Estado, dos contribuintes e dos empresários em geral.

A complexidade desse sistema, consubstanciada em diversos tributos, intermináveis obrigações acessórias e guerra fiscal entre os entes federativos, sem sombra de dúvidas gera enorme insegurança jurídica, retraindo, por consequência, a própria economia nacional.

Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), o Brasil tem o sistema tributário mais complexo e mais caro do mundo. Dados da Receita Federal do Brasil apontam que a carga tributária já superou 32% do PIB. Isso, sem contar os gastos despendidos com a toda a burocracia tributária, o que demonstra a necessidade de reformulação do nosso modelo atual.

Nesse contexto macroeconômico, a mobilização por um sistema tributário mais simples é de grande evidência e conceitualmente atrativo.

A reforma do sistema tributário não é um tema inédito. Pelo contrário, posto que vem sendo discutido há décadas. Fato é que, hoje, a mobilização e os debates sobre o tema encontram-se em franca notoriedade, sendo que há duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) em discussão: PECs 45/2019 e 110/2019, apresentadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, respectivamente.

A forma da simplificação é desafiadora e possui pontos críticos e sensíveis que podem, ao invés de facilitar um sistema tão contestável, torná-lo ainda mais intrincado

Assemelham-se as proposições no que visa à simplificação e à racionalização da tributação de bens e serviços, por meio da unificação de diversos tributos em só um: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que se baseia em modelos utilizados pela enorme maioria dos países desenvolvidos.

Objetivando uma modificação gradual, as duas propostas preveem período de transição, no qual em regra o contribuinte ficará sujeito a dois sistemas tributários: a tributação por meio do IBS e, ainda, nos termos dos moldes atuais.

É inegável que a simplificação do sistema tributário é medida de extrema importância e pertinência, porém hão de ser consideradas as perspectivas e desafios caso a reforma tributária, seja, efetivamente, aprovada. Dúvidas e pontos de divergência não faltam. Apenas de modo exemplificativo, a PEC 45/2019 já recebeu 194 emendas de diversos setores, de modo que seu conteúdo e termos não representam consenso.

Afinal, as propostas em discussão estão de acordo com nossa Constituição Federal, especialmente no que se refere ao pacto federativo? O período de transição poderia trazer (ainda) mais complexidade ao sistema? A carga tributária diminuirá? Há perspectivas de tributação mais justa?

Em primeiro lugar é preciso destacar que o objetivo da reforma tributária é a simplificação do sistema e não a redução da carga tributária, o que não prejudica a perspectiva de significativa redução de gastos com a burocracia.

Não obstante, ponto inegavelmente sensível reside na certeza de que a reforma tributária esteja em conformidade com os moldes de nossa Constituição Federal, especialmente naquilo que se refere ao pacto federativo.

Reduzir ou retirar a competência tributária e autonomia dos estados, Distrito Federal e municípios, cuja maior parte da arrecadação está concentrada no ICMS e ISS, pode comprometer, sob nosso ponto de vista, o princípio federativo da autonomia dos entes da Federação. As propostas em discussão substituem uma competência tributária plena desses entes pela repartição de receitas, o que, em regra, não parece coadunar com o propósito do pacto federativo.

Sendo certo que há prévio controle de constitucionalidades das PECs em andamento, do mesmo modo, não se tem a mesma certeza de que o tema não venha a ser objeto de questionamento perante o Poder Judiciário, o que pode acarretar em substancial insegurança jurídica.

Por outro lado, a reforma tributária não modifica a tributação regressiva, em descompasso com a metodologia adotada pela maioria dos países desenvolvidos, nos quais a maior carga tributária concentra-se na renda e no patrimônio e não sobre o consumo, como no Brasil se dá.

A base de tributação sobre a renda no Brasil é inferior à média da OCDE, posto que, enquanto aqui tributa-se em média 20% sobre a renda, temos um percentual de quase 40%, nos países desenvolvidos. Em linhas práticas, a tributação regressiva, que é maior sobre o consumo e menor sobre a renda, desfavorece os contribuintes de menor poder aquisitivo.

A implantação da justiça tributária no Brasil não só acompanharia a forma adotada pela maioria dos países desenvolvidos, assim como adotaria o sistema de tributação em consonância com os objetivos fundamentais de nossa República Federativa, como a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais, princípio da solidariedade social e da capacidade contributiva.

É crítico, por fim, o período transitório, até a implantação total do IBS, uma vez que haveria concomitância entre duas formas de tributação. Além disso, as proposições preveem transição tanto em relação à cobrança dos tributos, que pode durar entre dois a cinco anos, quanto naquilo que se refere à própria partilha de recursos que, por seu turno, prevê prazo máximo de cinquenta anos.

No cenário atual, demasiadamente ingênuo parecer crível que haja qualquer objeção quanto à necessidade de simplificação do nosso sistema tributário; ao revés, a mobilização em relação a esse tema, há décadas em discussão, é inquestionável. A forma da simplificação é desafiadora e possui pontos críticos e sensíveis que podem, ao invés de facilitar um sistema tão contestável, torná-lo ainda mais intrincado, até infactível sob o ponto de vista constitucional.

Maria Lucia de Moraes Luiz é advogada.

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