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Reforma tributária: seremos tigres ou galinhas?
| Foto: Pixabay

Durante cinco décadas, entre 1930 e 1980, muito antes do advento dos chamados “tigres asiáticos”, o Brasil foi uma fera: crescíamos sempre acima da média mundial. Mas, de repente, viramos patinho feio. Passamos a nos conformar, nos últimos 38 anos, com uma taxa de crescimento menor que a média registrada no planeta. E não foram apenas as crises e os cenários adversos da economia que fizeram o país interromper seus dias de tigre. Nossa temporada de voos de galinha foi definitivamente instaurada quando passamos a inchar e complicar o hoje mastodôntico sistema tributário nacional.

Desde o início da década de 1980 até 2010, o PIB cresceu em média 2,2% ao ano. Entre 2011 e 2019, esse voo de galinha foi encurtado: atingimos apenas 1% de média de crescimento. Na verdade, de 2015 até o ano passado, o crescimento foi do tipo “rabo de cavalo”, para baixo: -0,5% ao ano. Certamente, algo deu errado. Nosso crescimento econômico está travado.

Esses números nada animadores acompanham a trajetória de remendos no sistema tributário. Desde 1988, o Brasil já teve 17 minirreformas tributárias fatiadas, oriundas do Executivo e do Congresso Nacional. Nesses remendos, os entes federativos e até mesmo setores econômicos exerceram pressões. Essa queda de braço e o salve-se quem puder não geraram um resultado global positivo. Ao contrário: o somatório dessas alterações legislativas resultou no manicômio tributário atual, que alimenta inúmeros efeitos indesejáveis e que leva a distorções na formação de preços dos bens e serviços, bem como no ambiente de negócios, com uma concorrência desleal, na qual quem pode mais chora menos. Trilhões de reais vão para o ralo anualmente com esse cenário.

Esforços em prol da simplificação ficaram pelo caminho. Em 1991, uma primeira PEC nesse sentido surgiu no Congresso, pelas mãos do então deputado Luiz Carlos Hauly. Períodos de relativo sucesso econômico, como o Plano Real, não trouxeram o fôlego necessário. Nem mesmo as reformas recentes, como a trabalhista e a da Previdência.

Na verdade, o grande entrave é sistema tributário insustentável, que levou o Brasil a conviver com 60% de inadimplência entre as empresas, 13 milhões de desempregados e 25 milhões de subempregados, com o salário dos trabalhadores tributado em 90% e o poder de consumo das famílias de menor renda exaurido por uma carga de impostos que beira os 54%.

A economia não decola, e não é por menos: são R$ 5 trilhões de renúncias fiscais (7% do PIB ao ano); R$ 6 trilhões de sonegação (7,5%); custos de burocracia equivalentes a R$ 720 bilhões (1%). Somando inadimplência e contencioso de impostos, temos outros R$ 7,9 trilhões. O prejuízo anual com essas consequências de um sistema tributário falido chega a R$ 19 trilhões.

Percebe-se que o desafio de se realizar uma reforma tributária ampla e definitiva é enorme. Tal reforma precisa combater todos os problemas-raiz que o Brasil enfrenta nessa área: tributos autodeclaratórios, recolhidos por iniciativa do contribuinte; descompatibilização entre o fluxo financeiro e fluxo contábil/fiscal; excesso e divisão da autonomia legislativa tributária sobre a base consumo entre os três entes federativos; tributos cumulativos e, principalmente, a matriz tributária sobrecarregada na base consumo.

A reforma precisa ir além e ser uma medida justa, solidária e fraterna, que promova a inclusão social e econômica e promova a criação de novos empregos formais.

As PECs 110 e 45, em análise na Comissão Mista Especial da Reforma Tributária no Congresso, são a base para que essa mudança venha a acontecer de acordo com a urgente demanda de crescimento econômico do país. A PEC 110, do Senado, é a proposta mais abrangente, criando um imposto de bens e serviços dual, compartilhado entre a União e os estados e municípios, que extingue nove tributos (ISS, IVMS, IPI, PIS, Pasep, Cofins, CID, Salário Educação e IOF). 65% da arrecadação do IBS pertencerá aos estados e municípios, montante a ser administrado por um comitê gestor, no modelo do atual comitê que gerencia o Supersimples; os demais 35% serão destinados à União e administrados pela Receita Federal. A cobrança do novo IBS-Dual será eletrônica, com imposto retido no ato de cada transação de compra e venda, gerando um crédito financeiro e a transferência diária para os três entes federados.

A proposta também estabelece tratamento diferenciado, com alíquotas menores a setores básicos, essenciais e estratégicos, como o de alimentos, medicamentos, transporte urbano público, educação, saneamento, cadeia produtiva da saúde e outros. Com isso, serão favorecidas famílias de média e baixa renda.

Essa é, em resumo, uma reforma tributária de verdade, com reflexos efetivos na competitividade, crescimento sustentado, segurança jurídica, transparência e desburocratização. Uma reforma de tigre, respeitável e audaciosa para o momento crítico que atravessamos.

Luiz Carlos Hauly é economista e consultor. Miguel Abuhab é engenheiro e empresário. Ambos são autores de Não dá mais para postergar, um guia sobre reforma tributária e o modelo Abuhab de cobrança eletrônica de IVA/IBS.

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