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 | Hedeson Alves/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Hedeson Alves/Arquivo Gazeta do Povo

O estado do Paraná, um dos pioneiros na gestão da água no Brasil, decretou, em 19 de julho passado, por meio da Resolução 101/2017, aprovada na assembleia do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), medida que recomenda aos Comitês de Bacias que adotem a classe 4, a mais baixa em termos de qualidade da água, como meta para enquadramento de rios até 2040, e que não considerem as classes Especial, 1, 2 e 3 em seus estudos para novos enquadramentos. Na mesma assembleia, o CERH aprovou, por 13 votos a 12, o rebaixamento para classe 4 de 27 trechos de rios, córregos e ribeirões das bacias dos rios Cinzas, Itararé e Paranapanema I e II.

Antes dessas resoluções, o Paraná não tinha nenhum rio enquadrado na classe 4, que é a pior classificação dentre as definidas na Resolução Conama 357/2005 (norma do Conselho Nacional de Meio Ambiente). Extremamente permissiva por não estabelecer limites para lançamento de poluentes, a classe 4 transforma, na prática, os rios em esgotos a céu aberto. Limita o uso da água à navegação e à composição de uma das mais degradantes paisagens urbanas, com águas mortas destinadas a diluir esgotos, com baixíssima eficiência de tratamento. Os rios dessa classe perversa ficam impróprios e indisponíveis para abastecimento público e usos múltiplos, como produção de alimentos, dessedentação de animais, pesca e recreação, e se tornam vetores de doenças graves.

A quem interessa flexibilizar a legislação e estabelecer uma meta regressiva para a qualidade da água, condenando os rios à degradação por mais de duas décadas?

A classe 4 transforma, na prática, os rios em esgotos a céu aberto

As medidas aprovadas no Paraná são uma carta branca para que empresas de saneamento básico e usuários da água possam despejar nos rios, por 23 anos, efluentes com baixa eficiência de tratamento. São também uma espécie de anistia aos poluidores, que ficarão livres de multas, ações judiciais e penalidades decorrentes da atual ineficiência de seus sistemas de tratamento de esgoto, incapazes de atender ao enquadramento dos rios do Paraná, até então estabelecidos nas classes 1 e 2 na maioria das bacias hidrográficas do estado.

O governo do Paraná está remando contra a corrente ao desvirtuar os princípios da Lei das Águas do Brasil (Lei 9.433/97). Esse péssimo exemplo não deve abrir precedente para que outros entes do Sistema de Recursos Hídricos incorram no mesmo erro, condenando não só os rios à poluição autorizada, mas milhões de pessoas à escassez hídrica por falta de qualidade da água.

A Fundação SOS Mata Atlântica defende o fim dos rios de classe 4 na legislação brasileira e chama a atenção dos gestores públicos e da sociedade para o princípio da lei, que é o uso múltiplo e sustentável da água, que visa garantir o direito humano de acesso à água em qualidade e quantidade para todos.

Leia também: E se o rio falasse? (artigo de Eduardo Gomes Pinheiro, publicado em 6 de julho de 2014)

Leia também:As ligações clandestinas de esgoto e a crise hídrica das próximas décadas (artigo de Augusto Lima da Silveira e Rodrigo Berté, publicado em 1.º de novembro de 2016)

Estabelecer uma meta regressiva permitindo poluir um rio, ou trechos de rios limpos, é um retrocesso inadmissível e ilegal. As leis não podem retroagir para prejuízo da coletividade, em beneficio de poucos. O esforço que deveria ser feito no Paraná é para que a qualidade da água dos rios chegue ao padrão estabelecido na atual classe 2, e não para rebaixá-los. Esse enquadramento apenas recompensa a ineficiência do setor de saneamento e garante que empresas que não conseguem cumprir a legislação deixem de ser autuadas. Um flagrante da omissão do poder público e da falência do sistema de gerenciamento de recursos hídricos do Paraná.

Aplicar a legislação ao contrário, em desfavor da sociedade e do ambiente, é manter a poluição das águas no longo prazo. Às vésperas do Fórum Mundial da Água, que será realizado em 2018 no Brasil, o Paraná não pode dar o pior exemplo em matéria de gestão das águas ao restante do país e ao mundo. Ainda é possível rever esse retrocesso.

Malu Ribeiro é especialista em água da Fundação SOS Mata Atlântica.
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