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Advogado Rene Dotti em seu escritório no centro de Curitiba
René Dotti.| Foto: Daniel Castellano/Arquivo/Gazeta do Povo

A dor da partida do professor René Dotti é sentida por toda a advocacia brasileira. Uma dor da separação física, que amenizada será no decorrer do tempo através do legado eterno de sua obra imortal. René veio ao mundo para viver plenamente, para transformar, para apontar caminhos, para mostrar o que é a justiça e por que precisamos cotidianamente praticá-la, porque sem justiça não há felicidade.

Ensinou a todos nós que advogados trabalham, não por conta de atender um caso, uma pessoa específica, mas sim para defender causas, valores, princípios e garantias que o cidadão, destinatário maior de todo o sistema de governo e das legislações, deve receber. Ensinou que a cada atuação anônima de um advogado defendendo seu cliente, cresce a cidadania e se consolida a legalidade. Foi exemplo cristalino de que todos têm o direito de defesa, sejam os maiores suspeitos, sejam os desafortunados, que não têm dinheiro sequer para contratar um advogado.

Mostrou-nos que destemor, estudo, dedicação, persistência e voz firme são atributos que a advocacia deve sempre carregar em sua atuação, porque ela não fala por si, mas sim pelos aflitos, pelos injustiçados, pelos esquecidos, pelos que precisam da presença da Justiça, para retomar rumos e alcançar a paz.

E o que dizer das liberdades, frente à atuação de René? Ele foi a encarnação da própria liberdade, o paladino, o guardião, o soldado incondicional de sua defesa. Mostrou que nenhuma autoridade pode calar a liberdade de expressão, mostrou que o princípio da inocência é a proteção maior de nós, cidadãos, contra a arbitrariedade. Quantas vezes René esteve em delegacias, balcões de fóruns, salas de audiências e tribunas das cortes, para fazer imperar o respeito às liberdades!

Nunca se esqueceu dos encarcerados, e quando ajudou a escrever a Lei de Execuções Penais, ainda em vigor, procurou destacar que a pena não é apenas repressão, ela também tem de servir para a recuperação, para a ressocialização do preso, que um dia voltará à sociedade.

Foi humanista, um homem completo, pai e marido exemplar, professor, jurista, um advogado que também viveu e ajudou sua instituição. Na OAB, foi conselheiro estadual e conselheiro federal; o Paraná brilhou no plenário da OAB Nacional por meio de seus votos e manifestações. Em reconhecimento à estatura de um dos maiores advogados do país, recebeu da OAB-PR a honraria maior, a medalha Vieira Netto, que leva, coincidentemente, o nome de um vulto emérito, cuja liberdade, na época da ditadura, foi defendida por ele. Também liderou por diversas gestões a comissão das prerrogativas dos advogados, defendendo os direitos de voz, de liberdade de manifestação perante todos os juízos e tribunais, de ter acesso imediato a qualquer cliente preso, de acesso integral e também imediato aos processos, de se dirigir diretamente às autoridades, independentemente de hora marcada, da inviolabilidade dos escritórios, de seus arquivos e das comunicações entre cliente e advogado.

Lutou pela democracia, foi contra o regime ditatorial e a repressão das garantias fundamentais. Esteve em todos os movimentos da OAB e da sociedade brasileira, pela redemocratização do país e ajudou, também, com seus conhecimentos na definição dos princípios da nossa Constituição, previsto no artigo 5.º.

René demonstrou com a maior fidelidade e expressão a missão da advocacia e como ela deve ser exercida. A advocacia está muito triste com sua passagem ao plano divino, mas consolada pela oportunidade que teve de contar com o professor René, como colega.

Cássio Lisandro Telles é presidente da OAB Paraná. 

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