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A renúncia não apaga o passado nem isenta de responsabilidade pelas condutas praticadas no exercício do cargo ou da função

Renúncia é o abandono ou desistência de um direito que se tem sobre alguma coisa, informa o dicionário de De Plácido e Silva. Implica tornar pública uma desistência voluntária sobre alguma coisa. A renúncia tem inúmeras consequências jurídicas, faz cessar direitos. interrompe prazos, elimina obrigações. Dentre todas as formas juridicamente possíveis de renúncia, uma delas merece especial atenção: a de titularidade de cargo ou função pública.

No que diz respeito à renúncia de direitos no âmbito privado a maioria das questões se resolve também no âmbito privado. Salvo exceções, como se de alguma forma implicar ou for praticada para ocultar a prática de crime em relação a questão de ordem pública, a sociedade nada tem a ver com a renúncia à herança, ou a direitos privados de qualquer natureza.

Diferente é o caso da renúncia à titularidade de cargo ou função pública. Os cargos e as funções públicas, em regra, são titularizados para serem exercidos por todo o prazo que a lei autoriza. A renúncia deve constituir exceção. É, contudo, uma exceção que deve ser exaustivamente investigada. Ao tomar posse de cargo, ou função, o agente presta um compromisso legal que não é mera formalidade destituída de importância. Implica majoração da responsabilidade. Para ilustrar, uma analogia: para ingressar em alguns países, o estrangeiro deve preencher um formulário, que em alguns casos contém perguntas bastante interessantes, como: se o viajante pretende explodir a sede do governo ou matar alguém. Desavisadamente se poderia imaginar da inocência ou ingenuidade de tal questionamento. Contudo, sob o aspecto jurídico, a resposta a tais questões tem um conteúdo bastante relevante. Se o autor das respostas efetivamente for preso pela prática de alguma das condutas que afirmou não pretender praticar, terá como consequência o agravamento da sua situação e mesmo da pena que lhe for imposta pela prática do crime.

Esse é o caso do compromisso de posse dos servidores públicos. O agente público assume o compromisso de honrar para com as obrigações do cargo ou da função. Quando renuncia, não renuncia apenas a um direito – o de exercer as atribuições –, mas simultaneamente a um dever jurídico: o de realizar as atribuições legalmente previstas. Daí porque os motivos da renúncia devem ser exaustivamente examinados pelos órgãos de controle da administração pública. Não se está a cogitar a impossibilidade de renunciar a um cargo ou função, mas sim que a renúncia ao exercício de cargo ou função, por si só, pode produzir prejuízos importantes para a coletividade. E qualquer um, que por conduta dolosa ou culposa, lícita ou ilícita, produzir prejuízo para outrem, deve repará-lo.

A renúncia não apaga o passado nem isenta de responsabilidade pelas condutas praticadas no exercício do cargo ou da função. Ao reverso, em decorrência da interrupção abrupta, excepcional, do exercício da função pública é fundamental que os órgãos de controle da administração pública adjetivem a investigação sobre todos os atos praticados por aquele que abandona seu cargo ou sua função. É dever de ofício aferir sobre a regularidade de sua conduta pública, ao tempo em que a exerceu.

A participação e o controle exercidos pela sociedade civil, inclusive pela colaboração da imprensa, são indispensáveis para forçar alguns casos de renúncia envolvendo malversação de dinheiro público ou qualquer outra irregularidade. Lembre-se, porém, de que renúncia não é o fim. A renúncia a cargo ou função pública, seja aquela espontânea, seja aquela obtida legitimamente pela pressão política, enseja uma responsabilidade agregada e adicional da administração pública e da sociedade: a responsabilidade de fiscalizar ou de cobrar a fiscalização sobre os atos praticados no exercício do cargo ou função, e a punição exemplar em relação às práticas ilegais ou imorais praticadas. Lembrando sempre que as ações para ressarcimento de dano causado ao erário são imprescritíveis. Assim, renúncia, ao revés de ser um fim, pode ser apenas o início de um processo de apuração de responsabilidades e de busca da reparação de danos causados ao patrimônio público.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, é procurador do Estado, mestre e doutorando em Direito Administrativo pela UFPR e professor do Unicuritiba.

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