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Em tempos de crise, toda forma de aumento arrecadatório é bem vista pelo governo, principalmente quando vai ao encontro de tendências internacionais de transparência fiscal e cooperação tributária entre países amigos. Nesse sentido, é impossível falar da lei de repatriação de capitais sem falar do Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca).

O Fatca, acordo proposto pelos Estados Unidos e a cujos termos o Brasil aderiu em 2015 por meio do Decreto 8.506/15, entrará em vigor no início de 2017. Consiste, em linhas gerais, na obrigatoriedade da troca e do fornecimento, por agentes financeiros, de informações fiscais de pessoas físicas e jurídicas que sejam cidadãs ou tenham domicílio fiscal nos países solicitantes.

A enorme adesão internacional aos programas de compliance tributário como o Fatca impulsionaram a tendência aos “offshore voluntary disclosure programmes”, que nada mais são que, diante da nova política de transparência e imposição da troca de informações, programas que concedem aos cidadãos a oportunidade de regularizarem voluntariamente sua situação fiscal antes de uma eventual autuação.

Não concordamos com a designação de “anistia” para o regime de repatriação

Foi nesse contexto, sob muitos aplausos e muitas críticas, que foi aprovada, no início deste ano, a Lei 13.254/16 (repatriação de capitais), com prazo final para adesão em 31 de outubro. Mas, afinal, o que diz a lei e a quem ela se destina? Ela se aplica aos residentes ou domiciliados no Brasil que tenham sido ou ainda sejam proprietários de ativos em outros países em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014. Institui “Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária” para quem declarar voluntariamente estes ativos não declarados anteriormente ou declarados incorretamente, desde que tenham origem lícita. Considera-se origem lícita, para a lei, todos os recursos oriundos de atividades permitidas (não criminosas), bem como objeto de alguns crimes específicos, como evasão, sonegação fiscal, falsidade, crime de lavagem e ocultação. Por outro lado, excluem-se as pessoas que já foram anteriormente condenadas por estes mesmos crimes, bem como excluem-se detentores de cargos e funções públicas e seus parentes próximos.

A regularização exigirá a confissão irrevogável do débito tributário e a assunção do cometimento de ilícito penal. Por outro lado, promete conferir remissão imediata dos créditos tributários, redução de 100% das multas de mora e a extinção da punibilidade na esfera criminal.

A licitude da origem dos ativos não precisa ser demonstrada documentalmente; basta a simples declaração, pois o legislador compreende que grande parte deste capital foi herdado ou remetido ao estrangeiro décadas atrás, durante períodos de instabilidade econômica, alta inflação e baixa confiança, dificultando sobremaneira o levantamento documental que aponte a licitude dos valores, o que poderia comprometer a adesão ao plano de repatriação, e, consequentemente, resultar em menor arrecadação para o governo.

Embora tenha-se usado o termo “anistia” para se referir a este regime, não concordamos com tal designação, uma vez que, a despeito da isenção da multa de mora, aplica-se, além do imposto de 15% sobre o valor patrimonial total, multa genérica de igual valor, sendo bastante substancial a soma final a ser paga de 30%.

Soma-se a isso o virar de olhos e descontentamento de importantes órgãos, como o Ministério Público, que entende ser a lei um golpe na luta contra a corrupção. Não é de se estranhar que muitas incertezas sobre as consequências da adesão ao programa aflijam os destinatários do regime especial, que mesmo diante da afirmação legal de que a declaração voluntária não poderá ser “único indício ou elemento para efeitos de expediente investigatório ou procedimento criminal”, receiam que seus nomes sejam inscritos em espécie de lista de maior escrutínio fiscal. Receio que se agrava diante da tendência nacional em flexibilizar a proteção constitucional conferida ao sigilo fiscal.

Frente ao cenário que se impõe – notadamente o início da vigência, em 2017, do acordo de cooperação fiscal entre Brasil e Estados Unidos –, resta-nos concluir que todos os que se enquadrarem no perfil indicado pelo regime de repatriação de capitais devem considerar fortemente a possibilidade de, após consultados os riscos tributários e penais, aderir ao RERCT como forma de regularizar sua situação fiscal e minimizar eventuais consequências danosas provenientes dos acordos internacionais.

Por fim, uma vez que é realidade que os capitais transitam entre países sempre em busca de segurança, investimentos, rentabilidade e oportunidades de negócios, a discussão aberta pela lei de repatriação de capitais pode ser uma excelente oportunidade para chamar à pauta, além de acordos de fornecimento e troca de dados, também acordos internacionais que evitem a oneração excessiva muitas vezes causada por inadmissível bitributação.

Marina Toth, advogada criminalista, é mestre em Processo Penal pela University of Michigan Law School (Estados Unidos).
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