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Algumas determinações vindas de Brasília nos fazem refletir sobre em que mundo vivem nossos dirigentes. A recente atitude do Executivo em promover cortes no orçamento das polícias Federal e Rodoviária Federal é um dos exemplos de irresponsabilidade que contribui para armar bandidos e, ao mesmo tempo, desarma a população.

Dentro de um país em crise política e econômica, é até natural que haja setores que tirem vantagens do atual cenário. Porém, no Brasil da instabilidade, quem está lucrando é o crime, que se aproveita da situação frágil de estados e municípios para agir de maneira descarada, ampliando sua área de atuação. Temos presenciado, perplexos, as notícias sobre o crime que ronda o setor de transporte de cargas. Não é algo novo, mas sua escalada, aliada à audácia dos bandidos, nos causa indignação. Em um país onde o transporte de mercadorias é majoritariamente feito por estradas, essa espécie de crime vem assustando transportadores, motoristas de caminhões e sociedade, refém da falta de segurança.

O estado do Paraná também não é uma ilha onde o crime não possa encontrar terreno fértil para prosperar

Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro são os locais onde a situação está fugindo do controle. Para cobrir os elevados custos com segurança e minimizar os prejuízos com o roubo de cargas, transportadoras que atuam no Rio chegam a cobrar uma taxa extra das empresas que contratam os seus serviços, a chamada “taxa de emergência excepcional” (Emex), instituída exclusivamente na cidade do Rio de Janeiro, onde os casos deste tipo de crime cresceram mais de 150% nos últimos anos, saindo de 3.534 em 2015 para 9.870 em 2016, segundo a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC) – o número pode até ser maior, porque muitos transportadores acabam por não registrar o roubo de sua carga. Cálculos da NTC apontam que em 2016 o setor de transportes de cargas no Brasil teve um prejuízo de R$ 2,3 bilhões devido ao roubo das mercadorias transportadas.

O estado do Paraná também não é uma ilha onde o crime não possa encontrar terreno fértil para prosperar. A Fetranspar vem recebendo a informação de 20 a 30 roubos por mês em 2017, número 18% maior que o registrado em 2016. No ranking nacional, os roubos no Paraná representam apenas 2% do total, mas geraram prejuízo da ordem de R$ 60 milhões no ano passado, assustando quem transporta diariamente cerca de 6% do PIB do estado. Os alvos dos ladrões de cargas costumam ser remédios, eletrônicos, polietileno, bebida e cigarros, mas nada escapa das mãos dos bandidos. A lista de produtos roubados é extensa e passa até por aqueles de primeira necessidade, como alimentos e carnes.

O Paraná tem infraestrutura melhor e passível de barrar esse crime. Se não o eliminar, ao menos tem nas mãos a possibilidade de dar muito trabalho aos bandidos, desmotivando-os a atuar nas estradas que cortam o estado. É dessa força que precisamos nos valer para iniciar o cerco ao aumento do roubo de cargas. Se quisermos ver números retrocedendo, a primeira medida a se implantar é um olhar estratégico em como o crime se alastrou nos estados vizinhos. Isso é trabalho de inteligência. Uma segunda questão é dar suporte para que nossos órgãos responsáveis pela segurança pública tenham incentivo – leia-se recursos – para combater o crime com eficácia.

Algumas iniciativas estão ativas, mas precisam de apoio governamental. O exemplo é a criação da delegacia destinada especificamente para atuar no combate ao roubo de cargas há menos de dois anos. Outro ponto a favor são as frequentes operações das polícias rodoviárias Federal e Estadual para combater esse crime. Além disso, a Lei 18.781/2016 alterou a Lei 16.127/2009 para punir empresas utilizadas para comércio, distribuição e transporte de cargas ilícitas, furtadas ou roubadas, fechando o cerco contra quem compra ou vende mercadorias roubadas e sem procedência definida, punindo também o receptador que incentiva a prática do crime.

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Tudo isso faz com que o estado ainda tenha uma posição confortável em relação ao que o país enfrenta. Porém, se mesmo assim vemos que os números estão em ascensão, o sinal amarelo acende e precisamos nos ater aos gargalos. O Comitê Procarga Segura Paraná, formado pelos órgãos de segurança pública do estado, além da Fetranspar e de sindicatos que representam os transportadores, pretende fechar o cerco contra os bandidos que atuam nas estradas por meio da junção da inteligência das corporações e a realização de operações conjuntas. A primeira iniciativa será a criação de um método único para centralização das informações dos boletins de ocorrências, com o que será possível desenvolver um mapa preciso do crime do roubo de cargas e direcionar as operações.

Vale ressaltar, contudo, que essas iniciativas precisam de apoio dos governos federal, estadual e dos municípios. O que aconteceu com as polícias Federal e Rodoviária Federal foi um absurdo sem precedentes. O corte de verba determinado à corporação, vindo de Brasília, é algo irresponsável e atinge em cheio o setor de transportes de cargas. Nas esferas estadual e municipal, os governos precisam olhar com mais atenção para os órgãos que trabalham com a segurança. A recém-criada Delegacia de Furtos e Roubos de Cargas necessita de investimentos básicos, que permitam ao menos formas eficientes de concentrar dados e estatísticas, permitindo aprofundar a investigação de receptadores para que a lei seja aplicada. Além disso, é preciso replicar esta mesma estrutura no interior do Paraná.

O que está sendo reivindicado não é nada de extraordinário. É apenas a destinação de recursos para que a segurança pública possa ser mais eficiente e as iniciativas tenham respaldo do governo. O que precisamos é de que o dinheiro dos impostos que pagamos seja destinado à segurança, e que isso nos permita trabalhar por um estado mais próspero, livre das artimanhas de bandidos que roubam o futuro de seus cidadãos.

Sérgio Malucelli é coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Paraná e presidente da Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar/Sest/Senat).
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