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A Constituição de 1988 estabelece que um dos princípios que regem a ordem econômica é o da livre iniciativa. Isso significa que qualquer pessoa, física ou jurídica, tem o direito fundamental de exercer atividade econômica objetivando o seu sustento ou a produção de lucro. Contudo, a liberdade de iniciativa não é absoluta e sofre alguns limites impostos pela própria Constituição e pela lei. Alguns dos limites mais relevantes são aqueles impostos a atividades perigosas ou potencialmente lesivas a certos valores tutelados pela norma constitucional, como a vida, a saúde humana ou o meio ambiente. As atividades potencialmente lesivas a quaisquer desses bens jurídicos sofrem importantes restrições e limitações. Atividades de exploração do subsolo, sob regime de concessão, e de mineração se submetem a rígido controle estatal (ou, ao menos, deveriam se submeter) que começa antes mesmo do próprio início das atividades, mediante instrumentos jurídicos como os do licenciamento ambiental prévio e licenciamento de instalação. Uma vez autorizado o funcionamento de atividade mineradora, tendo em vista as externalidades negativas que produz, competiriam ao poder público medidas de controle efetivo para a aferição da compatibilidade entre as atividades executadas e as imposições técnicas e jurídicas orientadas a prevenir danos ambientais e sociais.

Quando o Estado falha, o faz porque os agentes públicos que agem em seu nome falharam

Adotar medidas de controle administrativo mediante uso do poder de polícia estatal não é jamais uma mera faculdade ou opção do administrador público, especialmente diante de atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente, saúde e vida humanas. Antes, é dever inafastável, imposto pela Constituição e pela lei. Poder-se-ia perguntar: a qual poder público competiria fiscalizar as atividades da mineradora Samarco? A competência para zelar pelo meio ambiente é comum entre a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal. O artigo 225 da Constituição também determina que compete ao Estado (em sentido amplo) adotar medidas destinadas a manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como institui a Carta Constitucional que a defesa do meio ambiente é um princípio da ordem econômica (art. 170).

A Constituição e a lei, portanto, impõem um dever expresso ao poder público: o de manter rígido controle sobre atividades potencialmente lesivas ao meio ambiente. Este dever não foi cumprido de forma satisfatória pelos poderes públicos competentes. É possível admitir que, se o Estado (em sentido amplo) tivesse se valido de sua prerrogativa de controle e de fiscalização, não teria ocorrido o dano ambiental no município de Mariana, ou pelo menos não teria ocorrido nas proporções em que ocorreu.

Todas as notícias veiculadas até o momento induzem a crer que o Estado falhou no dever de fiscalização. Parece mesmo inegável. Tivesse havido controle estatal, na forma da lei, das atividades exercidas pela Samarco, não estaríamos diante de um desastre ambiental e social sem precedentes no país.

Quando o Estado falha, o faz porque os agentes públicos que agem em seu nome falharam. Os responsáveis pelas falhas de fiscalização no caso verificado em Mariana têm nome, RG e CPF, e precisam responder pela conduta omissiva, desde o chefe do Poder Executivo (no mínimo por culpa na vigilância da conduta de seus subordinados) até os agentes fiscais a quem a lei atribuiu competência de controle.

É óbvio que a empresa Samarco e seus dirigentes devem responder, civil, penal e administrativamente, pelos danos causados às pessoas e ao meio ambiente – danos imensuráveis, diga-se. Mas devem responder exemplarmente também, até com mais rigor – inclusive por improbidade administrativa –, os agentes públicos que se omitiram no dever de fiscalizar as atividades da empresa, contribuindo decisivamente para a causação do dano. Sob pena de jamais deixarmos de ser uma república de bananas, que tudo toleram, passivamente, de administradores públicos negligentes, ineptos e gravemente ineficientes, para dizer o mínimo.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, procurador do Estado, mestre e doutor em Direito Administrativo, é professor do UniCuritiba.
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