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Chega o fim do ano e abre-se a temporada das previsões. Místicos de todas as extrações estarão consultando borra de café, folhas de chá, mãos, cartas e búzios em busca de pistas quanto ao futuro. Que aliás, segundo um Dicionário Esotérico, pode ser previsto por noventa e sete métodos diferentes, desde a observação do prosaico carvão (antracomancia) à mais prosaica ainda análise da urina (uromancia), passando pela leitura das nuvens (nefelomancia), do sal, dos movimentos dos animais, dos olhos, e por aí vai. Astrólogos, numerólogos, videntes, mediuns, sensitivos receberão as atenções da imprensa para fazer suas advinhações, as quais – piedosamente – serão logo esquecidas em janeiro e nunca cobradas.

Quando pesquisava para esse artigo, fui procurar na internet o que Michel Nostradamus (quem mais poderia ser?) disse da crise financeira mundial e... bingo. Há várias citações de centúrias que previam inequivocamente a crise do subprime, a falência do Lehman Brothers, a quebra do Bear & Stearns e a quase-quebra do Merryl Linch. Tudo muito claro, desde que – ça va sans dire – você seja capaz de interpretar o hermetismo de frases como "as duas partes dos muros não poderão juntar; nesse instante tremerão Milão, Ticino; fome, sede, grande temor virá espetá-los; carne, pão, não terão um só bocado de víveres". Fácil, não é? As duas partes do muro não poderão juntar-se ? Ora, o centro da grande banca internacional não é Wall Street, a Rua do Muro? Tremerão Milão e Ticino? Ora, a crise não é internacional? Não terão um bocado de víveres? É evidente, depois que o mercado de commodities afundou com a crise financeira.

Na China, a esta altura, os especialistas em feng shui já estarão analisando os prédios-sede dos grandes bancos para verificar se estão de acordo com a arte milenar da harmonia entre o vento e as águas ou se o design não bloqueou os fluidos favoráveis de energia, o dragão, o tigre, o pássaro e a tartaruga estão mal posicionados. Isso, para eles, é fundamental para explicar porque esse ou aquele banco se meteu em trapalhadas e para prever quais são as perspectivas de que saia dela vivo.

Não estou levando essas coisas na brincadeira. Como bom brasileiro, tenho cá as minhas superstições e sou, acima de tudo, um agnóstico quando se trata desses assuntos que Umberto Eco, no seu Pêndulo de Foucault, classificou como "o arquipélago do misterioso", aquele conjunto de fenômenos para os quais a ciência não foi – pelo menos por enquanto – capaz de dar uma explicação satisfatória. Mas não me dou ao trabalho de anotar as previsões nem de ler horóscopos, mesmo porque escrever esses últimos costuma ser o primeiro trabalho dos jornalistas iniciantes.

Como sempre, há os que crêem e os que lucram com a crença dos outros. Milhões de chineses acreditam no feng shui mas foram os americanos que transformaram a crença em uma fonte de lucros: imobiliárias, desejosas de atrair clientes asiáticos, contratam "especialistas" para "fazer" o feng shui das propriedades que estão vendendo e há milhares de consultores na internet se propondo a ensinar os segredos do ba-gua e do chi em troca de um módico pagamento. Milhares de decoradores ganham dinheiro rearrumando os móveis das casas dos clientes para melhorar a circulação dos fluidos favoráveis de energia. De minha parte, acredito que essas previsões são bem menos danosas do que as feitas, ao fim de cada ano, por economistas e divulgadas com pompa e circunstância. Tive a pachorra de rever algumas delas realizadas no final de 2007 para 2008 e não encontrei nenhuma que se aproximasse minimamente da verdade. Dólar a quase R$2,40, o sistema financeiro mundial se desmanchando, a economia do planeta entrando em recessão destruíram a sapiência pré-cognitiva de nossos sábios econômicos. Em compensação, não faltam na imprensa os mesmos sábios esbanjando explicações sobre as razões do que ocorreu e vem ocorrendo. Em português claro: eles são muito melhores para realizar autópsias do que para realizar biópsias e exames preventivos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professordo Doutorado em Administração da PUCPR

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