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| Foto: Gustavo Lima/STJ

É precípuo no exercício da advocacia criminal defender ostensivamente as garantias constitucionais do representado e a correta aplicação da lei no curso da persecução penal. Neste sentido, a Constituição Federal, em seu artigo 133, preconiza a indispensabilidade do advogado para a administração da justiça, enquanto o artigo 21 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil assenta o direito e dever do profissional em assumir a defesa criminal, sem fazer qualquer juízo sobre a culpa do acusado.

Não se desconhece o risco inerente à profissão do defensor, sensivelmente majorado na seara penal. Logo, tal qual outras ocupações no ramo privado, o preço aferido pelo trabalho é resultado, dentre outros critérios, da avaliação deste risco. Ora, na advocacia a estipulação do preço do trabalho é consequência direta da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) e, em especial, das diretrizes fixadas no artigo 36 do Código de Ética e Disciplina. A fixação de honorários caracteriza justa remuneração, como qualquer outro profissional liberal o faria, sempre em integral observância aos preceitos legais e éticos.

Contudo, é perene o particular questionamento quanto ao recebimento de honorários pelos advogados criminalistas, em especial quando oriundos de (supostos) desvios de verbas públicas. Afinal, como poderia o profissional ser remunerado por seus serviços quando pairam dúvidas sobre a origem do dinheiro utilizado pelo contratante para tal fim?

Explicar a origem dos valores que recebe não cabe ao advogado

Uma análise superficial apontaria erroneamente que uma possível solução para tal indagação seria conferir “transparência” aos recebimentos do advogado. Em outras palavras, a população – tal qual ocorre com os servidores públicos – deveria ter acesso às informações dos honorários ajustados entre os causídicos e seus clientes acusados em processos criminais.

Com o devido respeito, tal proposta é inviável. É necessário asseverar que honorários pagos aos advogados não se revestem de sigilo por uma questão de intimidade, mas sim por decorrência legal, diretamente ligada ao exercício da ampla defesa, construção iluminista concretizada em nossa Constituição. Nesta linha, seu sigilo é garantia ao acusado para que se defenda exclusivamente dos fatos imputados contra si, sendo a monta dos honorários pagos irrelevante para tanto, não revestida de qualquer caráter de interesse público.

Ainda, o advogado recebe tal remuneração para realizar exclusivamente seu trabalho jurídico, conforme previsto em contrato celebrado entre as partes. Não possui qualquer obrigação em conhecer, ou nem sequer presumir, a origem do valor que lhe remunera; o profissional, como qualquer outro cidadão que desempenha atividade econômica, tem, sim, a obrigação legal de cumprir com os regramentos fiscais no recebimento de tais numerários.

Carlos Alberto Di Franco: Honorários sujos – um questionamento (11 de março de 2018)

Leia também: De Sartre a Lula (artigo de Maurício Gomm, publicado em 28 de fevereiro de 2018)

O advogado criminalista deve atuar dentro do espaço legalmente permitido para sua atividade, amoldando-se às denominadas condutas neutras, sem incrementar qualquer risco ou acobertar atividade criminosa de seu cliente. Até porque, se não o fizer, deixará de ser advogado e passará a ser partícipe das ações de quem o contrata, o que nada tem a ver com o sigilo de seus honorários ou com a função de advogado.

Pensamento diverso resultaria na exigência de exposição pública da remuneração de qualquer profissional liberal: médicos ou dentistas jamais poderiam atender pacientes suspeitos de corrupção, e contadores jamais poderiam assessorar acusados de estelionato, pois todos, fatalmente, estariam enriquecendo com dinheiro ilícito e deveriam ser responsabilizados, inobstante não terem qualquer relação com o delito praticado por seu cliente.

Em suma, o advogado detém a prerrogativa de sigilo quanto aos seus honorários (desde que sempre observada a licitude dessa atuação, em posição neutra) por uma questão primordial da relevância do seu ofício e sua indispensabilidade à administração da Justiça, com consequente efetivação das garantias básicas do cidadão. É pura e simples contraprestação de seu trabalho profissional. Explicar a origem de tais valores não cabe ao advogado, e a relativização deste sigilo é afronta direta ao Estado Democrático de Direito.

Rodrigo Sánchez Rios, advogado criminalista, é professor de Direito Penal na PUC-PR, associado e diretor do Instituto dos Advogados do Paraná e conselheiro estadual da OAB Paraná.
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