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Quartelada, golpe militar clássico com o apoio da grande imprensa, dos seus leitores, de entidades empresariais e de uma importante fatia da hierarquia católica. A ditadura não prevista se materializou horas depois, empurrada por um vetor mais intenso e letal do que a polarização ideológica: a ambição de um dos chefes da abrilada, o general Arthur da Costa e Silva.

No curso do rápido endurecimento do regime e da insaciável sede de sangue da linha dura, os militares foram ficando isolados até que no vergonhoso lance final da ditadura, antes da posse do primeiro presidente civil, o último ditador (João Batista Figueiredo) deixou o palácio presidencial pela porta dos fundos.

Simbólico: a redemocratização passou a significar um drástico rompimento da sociedade com as suas Forças Armadas, teoricamente guardiões da democracia. A Lei da Anistia, bem como a inserção de sua doutrina na Constituição de 1988, controlou justos ímpetos punitivos. A determinação de buscar a verdade pode ser mais duradoura e eficaz.

A atual rememoração dos 50 anos do golpe poderia ter agravado ressentimentos, não fosse a intervenção da presidente Dilma Rousseff – em 31 de março, num dos seus melhores momentos – ao reverenciar aqueles que enfrentaram a truculência ilegal do Estado e valorizar "os pactos políticos que nos levaram à redemocratização".

Dois dias depois, o Ministério da Defesa comunicou que serão investigadas sete instalações militares usadas para violações sistemáticas dos direitos humanos durante a ditadura. Os comandantes das três forças atendiam, assim, à Comissão Nacional da Verdade cuja criação desaprovaram ostensivamente. A Lei da Anistia está mantida. Foi imposta, é injusta, mas foi pactuada e aceita solenemente.

O assanhamento dos políticos e da mídia com as revelações sobre os negócios da Petrobras soterrou a repercussão da generosa iniciativa da presidente, ela própria vítima dos abusos aplicados contra os que resistiam à ditadura. O voluntarismo e o desfibramento das lideranças partidárias não deram ao episódio a devida importância, soterrando seu potencial de irradiação e conciliação.

Crimes cometidos não podem ser esquecidos, mas um país preocupado com o bem-estar da cidadania não pode apartar e colocar sob eterna suspeição os responsáveis por sua segurança. Neste sábado, 2,7 mil militares iniciarão a ocupação do Complexo da Maré, enorme e estratégica terra de ninguém na entrada do Rio de Janeiro desmembrada do Estado nacional brasileiro, controlada pelo narcotráfico e afiliados. Não são torturadores; ao contrário, poderão servir para acabar com a secular prática de violentar suspeitos e encarcerados.

O imperioso exercício da memória e as lealdades que suscita devem fortalecer convicções morais, grandeza. Não podem nos aprisionar no rancor e preconceitos.

Alberto Dines é jornalista.

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