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A coisa mais importante a fazer se você está em um buraco é parar de cavar. Mas há quem, por susto ou medo, siga cavando, para não reconhecer sua situação. Nós brasileiros fomos cavando um buraco bem fundo no que se refere ao sistema logístico do país.

Hoje estamos todos de joelhos diante da crise exposta pela paralisação dos caminhoneiros. Ainda que assustados com a alta do preço dos combustíveis e do consequente desabastecimento provocado pela greve, temos a oportunidade de fazer uma conversa difícil sobre problemas que estão há décadas entre nós: a dependência absoluta em relação ao modal rodoviário de transporte, o vício em relação ao petróleo e a socialização de prejuízos via concessão de benefícios tributários a grupos de pressão.

Desde o Presidente Washington Luiz, que adotou nos anos 20 o lema “Governar é abrir estradas”, apostamos num sistema de transportes calcado nas rodovias. Governo após governo, esse modelo foi reforçado e sucatearam-se os outros modais. As ferrovias, por exemplo, servem hoje quase que exclusivamente ao transporte de minério de ferro e alguns produtos agrícolas, a regulação deficiente do setor de transporte de cargas ferroviárias levou à concentração e pouca concorrência.

Nos anos Dilma, foram despejados subsídios para o financiamento de caminhões e automóveis, com crédito do BNDES e isenções de impostos. O resultado foi um enorme aumento da oferta de transportadores independentes.

Hoje estamos todos de joelhos diante da crise exposta pela paralisação dos caminhoneiros

Com o país em recessão, a demanda caiu e ampliou-se a competição. Tanto para o frete de cargas quanto através de aplicativos de transporte de passageiros.

Emergiu então um problema de emprego e renda: quem financiou caminhões e deles depende para sobreviver enfrenta a pressão da competição para baixar o custo do frete, e, por outro lado, o aumentos do preço dos combustíveis amplia o custo do serviço. Sobra muito pouco para os operadores, que colocam seu suor à serviço de manter a nação em movimento.

Nós brasileiros também fomos muito mal acostumados. Vivemos por um longo período sob a falsa impressão de que o petróleo era só nosso, ignorando que commodities têm seu preço estabelecido pelo mercado internacional.

Desde 2016, tanto o diesel quanto a gasolina passaram a acompanhar as altas e baixas do preço do petróleo cotado em dólares. Esse cenário se tornou explosivo aqui apesar de ser comum nos Estados Unidos e outros países rodoviaristas. Lá as cadeias de valor reagem rapidamente às oscilações de preço dos combustíveis. Aqui a crise econômica e a consequente ociosidade de transportadores, limitaram a capacidade de se ajustar o preço do frete com mais celeridade, dificultando a precificação da volatilidade do preço dos combustíveis.

O preço do combustível paralisou o país. Cenário posto, é preciso desenhar soluções que ataquem as causas verdadeiras da crise. Mas os envolvidos na tarefa de resolver o problema têm reagido ao caos instalado com remédios ineficazes, que hão de aprofundar o buraco onde estamos.

Leia também: Reflexos da greve dos caminhoneiros no sistema tributário brasileiro (artigo de Marco Aurélio Pitta, publicado em 29 de maio de 2018)

Leia também: O fantasma da ineficiência nos transportes (artigo de Eduardo Müller Saboia, publicado em 27 de maio de 2018)

Em seu pronunciamento à nação no domingo, o Presidente da República acenou com mudanças na tributação sobre o diesel, o que imporá um custo altíssimo para toda a sociedade e tampouco resolverá o problema.

É uma cilada!, diria o personagem Pedro a Bino do seriado Carga Pesada. A isenção de impostos significa renúncia de receitas de arrecadação e não vai impedir que os combustíveis continuem aumentando no futuro. Ainda vai comprometer ainda mais as já debilitadas contas públicas, podendo impactar gastos em saúde, educação, segurança e outros serviços públicos essenciais. Também vai estimular o consumo do diesel, ignorando seus impactos negativos sobre a saúde humana e sobre o meio ambiente.

Essa transferência de renda para um segmento específico há de motivar outros tantos grupos de pressão a demandarem o mesmo e gerar uma dinâmica perniciosa em que a maioria silenciosa e desorganizada (o povo) pagará a conta daquele que conseguir gritar mais alto.

Outro remédio inadequado é a tabela de preço fixo do frete: ela dá uma sensação artificial de demanda, que não existe na atual situação de recessão econômica. Contribui para prolongar a sensação de que está tudo bem.

O que se precisa é de uma reforma tributária completa. Se ela fosse capaz de extinguir todos os subsídios, ainda melhor. Assim dava para “zerar a conta” e desenhar um sistema mais simples, que desse ao Brasil chance de voltar a crescer e acabar com a ociosidade que pressiona o preço do frete para baixo. O sistema tributário brasileiro é uma trava ao crescimento da economia.

Opinião da Gazeta: Estrada para o desenvolvimento (editorial de 28 de maio de 2018)

Nós estamos carecas de saber que é necessário diversificar nosso sistema de transportes de cargas e pessoas, investindo em outros modais. O que temos é uma estrutura de planejamento logístico jogada para escanteio no atual governo e baixa capacidade de investimento em infraestrutura. Para se ter uma ideia, em 2017 investimos apenas 1,4% do nosso PIB em infraestrutura, enquanto a China investe tradicionalmente acima de 8% e Índia algo como 5%.

A diversificação de modais de transporte de cargas reduziria a vulnerabilidade do país a paralisações setoriais. Mas o recurso necessário aos novos investimentos deverá vir do setor privado, já que não há espaço no orçamento público. Para o investidor privado apostar em um país como o nosso, as regras do jogo precisam ser fortalecidas. Para isso, acenar com um pacto de longo prazo é essencial para envolver o mercado. Nesse contexto, é preciso avaliar quais investimentos (setor e local) trariam os maiores retornos econômicos ao país (aumento de produtividade, crescimento do PIB, externalidades, etc) e acenar com um pacto de longo prazo para envolver o mercado.

Por fim, é fundamental diversificar a matriz energética dos transportes, diminuindo a participação do petróleo e fomentando fontes limpas, como a elétrica. Caminhões e ônibus são alvos efetivos para o controle de emissões pois representam menos de 5% da frota rodoviária brasileira, mas são responsáveis por aproximadamente 90% das emissões de poluentes (particulados e óxidos de nitrogênio) que pioram a qualidade do ar urbano e impactam negativamente a saúde humana. Aumentar o subsídio ao óleo diesel, como fez o Governo para tentar estancar a crise, vai na contramão da necessidade de reduzir essa dependência. A eletrificação reduziria a dependência aos humores do preço internacional do petróleo e da taxa de câmbio.

É preciso parar de vez de cavar nesse buraco. Para sair dele, muita serenidade e urgência em combinar as soluções certas.

Natalie Unterstell é mestre em administração pública pela Universidade de Harvard e diretora do projeto Infra2038.
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