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Panorâmica de helicóptero sobre o litoral paranaense.
Panorâmica de helicóptero sobre o litoral paranaense.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Em grego, oikos significa “casa” e nomos significa “lei/ordem”. A junção destes dois conceitos fez surgir a palavra “economia”, que, de maneira simplista, pode ser entendida como o gerenciamento da casa. Ecologia também é uma palavra de origem grega. Nela, juntam-se as palavras oikos e logos, que significa “saber/estudar”. Ecologia trata, portanto, do estudo do local onde nós, e os demais seres, vivemos.

Ainda que estas palavras estejam interrelacionadas em sua origem, o gerenciamento de nossa casa leva muito pouco em conta o conhecimento que temos sobre ela, produzido pela ciência. Desenvolvimento econômico e conservação da natureza costumam ser, com poucas exceções, antagônicos na forma como atuam. O estudo da casa deveria embasar suas atividades econômicas de forma a propiciar benefícios sociais, econômicos e ambientais para todos.

Estimativas indicam que os serviços ecossistêmicos, providos gratuitamente pela natureza, respondem por cerca de US$ 125 trilhões por ano na economia global. Por exemplo, no Brasil, 60% das culturas agrícolas dependem de polinização por animais, representando benefícios de aproximadamente US$ 12 bilhões por ano a este setor. Atualmente, dois terços da energia elétrica consumida no Brasil provêm de usinas hidrelétricas que dependem da integridade de ecossistemas, especialmente florestas, para manter o regime de recarga hídrica funcionando. Mais de 245 espécies da flora brasileira são base para produtos farmacêuticos e cosméticos e a resiliência de nossas cidades a eventos climáticos extremos está diretamente relacionada à presença de ambientes naturais conservados.

Está claro que nossa sociedade e economia dependem diretamente da capacidade da natureza em nos propiciar condições necessárias para gerar prosperidade e bem-estar. Segundo a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, a perda da biodiversidade e a degradação dos ecossistemas dificultarão o cumprimento de 80% das metas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela ONU para serem atingidos até 2030. A perda da biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também econômica, de desenvolvimento, de segurança social e moral.

Grande parte dos maiores riscos identificados pelo Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial é ambiental. Os sinais de que estamos enfrentando uma crise ambiental global são bastante evidentes e o colapso ecológico será inevitável, se mantivermos o cenário de uso insustentável dos recursos naturais.

As coisas não podem continuar como estão! Todos podemos perceber que não é mais possível vivermos em um mundo onde os setores de nossa economia, em sua maioria, criam impactos negativos que tentam ser reparados por recursos públicos e filantrópicos, com sucesso limitado e a um elevado custo.

Nesse contexto de grandes desafios, o campo de investimentos e negócios de impacto positivo tem função extremamente relevante e com potencial de direcionar o mundo dos negócios para uma economia que respeite e contribua para a manutenção e recuperação dos limites ecológicos do planeta e, ao mesmo tempo, gere prosperidade socioeconômica.

O capitalismo se tornou insustentável em seu formato atual. Ele precisa de uma mudança radical. De acordo com Sir Ronald Cohen, a revolução tecnológica está sendo seguida pela Revolução do Impacto, que nasce da simples ideia de que nós podemos converter o “foco obstinado pelo lucro” para o “lucro com impacto socioambiental positivo”, redirecionando grandes fluxos de recursos para recuperarmos nosso planeta. Ao se combinar lucro e impacto, altera-se a natureza de nosso sistema ao ponto em que não serão mais aceitáveis negócios criados apenas para lucrar.

Devemos trazer o impacto positivo, de uma vez por todas, para o centro de nossas discussões. Em vez de contarmos apenas com governos e com a filantropia para atingirmos melhoras sociais e ambientais, precisamos passar a contar também com os negócios, como aliados capazes de acelerar o ritmo da mudança. Investidores e negócios precisam ser encorajados e cobrados pela sociedade para que passem a tomar decisões baseadas não mais apenas na relação risco/retorno, mas na relação risco/retorno/impacto. No século 19, investidores focavam no retorno. No século 20, o risco passou a ser considerado nesta conta. Agora, em pleno século 21, devemos adotar um novo modelo que considere risco-retorno-impacto.

Para apoiar esta transição, desde 2019 está em execução o Programa Natureza Empreendedora, cujo propósito é apoiar e fortalecer empreendedores e negócios que atuam de forma a gerar impacto positivo na conservação da Grande Reserva Mata Atlântica, região com o maior remanescente contínuo deste bioma em nosso país, e que busca utilizar-se deste ativo para imprimir uma nova forma de desenvolvimento regional. Agora, está em curso a elaboração do primeiro Mapa de Empreendedorismo Sustentável dos 46 municípios da região para identificar e dar visibilidade a negócios e iniciativas dessa modalidade. Também em andamento, a Rede de Investimento de Impacto em Conservação da Natureza busca influenciar investidores, por meio de articulações e divulgação de conteúdo qualificado, para que, cada vez mais, investimentos em negócios com este propósito entrem em seu portfólio.

O momento único causado pela pandemia de Covid-19 pode gerar oportunidades. A necessidade de ações para ativar a geração de emprego e renda cria um momento para a adoção de soluções sustentáveis como impulsionadoras da economia. No Brasil, a prioridade por investimentos sustentáveis poderia mobilizar recursos entre R$ 890 bilhões e US$ 1,3 trilhão até 2030, segundo previsões da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, o que garantiria um crescimento anual em torno de 1,6% do PIB.

Seria um desperdício não aproveitarmos este momento para uma mudança estrutural em nossa economia, considerando ao máximo as oportunidades geradas pela conservação e pela recuperação de nossos ambientes naturais dos quais tanto dependemos, e não apenas buscarmos recuperar níveis anteriores de crescimento econômico, por meio de velhos caminhos.

Guilherme Karam é coordenador de Negócios e Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

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