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A Lei da Ficha Limpa é o clamor da cidadania pela ética na vida pública. O Brasil não suporta mais a imposição de um modelo de governança carregado de cinismo e corrupção

O inverno começou com um banho de água fria na cidadania. Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Dias Toffoli, livraram provisoriamente políticos do efeito anticorrupção da Lei da Ficha Limpa. Liminar do ministro Toffoli autorizou a deputada estadual goiana Isaura Lemos (PDT), que quer concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados, a registrar sua candidatura. Ela foi condenada em primeira instância, decisão confirmada pelo Tribunal de Justiça goiano.

É a segunda vitória de candidatos com duas condenações no STF. Uma liminar do ministro Gilmar Mendes autorizou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) a disputar a reeleição ao Senado, apesar de ele ter condenação de órgão colegiado por condutas supostamente lesivas ao patrimônio quando prefeito de Teresina (1989-1992). Mendes, surpreendentemente, afirmou que o caso era de urgência, já que o prazo para o registro das candidaturas terminava no dia 5 de julho e até lá o Supremo não deveria se manifestar sobre o recurso do senador. Não parece razoável que a preocupação com o calendário eleitoral de políticos condenados pela Justiça deva orientar decisões dos ministros do STF.

As liminares concedidas por Gilmar Mendes e Dias Toffoli, permitindo o registro de candidaturas de "fichas-sujas", provocaram fortes reações. O advogado e especialista em legislação elei­­toral Luciano Santos afirmou que as liminares contrariam a pró­­pria Lei da Ficha Limpa. "No artigo 26 C da lei está expresso que o feito suspensivo só pode ser concedido por órgão colegiado (grupo de juízes) e nunca em decisão monocrática", explicou. O que mais precupa, no entanto, é dúvida semeada por Dias Toffoli a respeito da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. "Aponto que a própria adequação da Lei Complementar n.º 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) com o texto constitucional é matéria que exige reflexão", disse o ministro. O presidente interino do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, caminhou, felizmente, na contramão de seus colegas. Barrou a tentativa de três "fichas-sujas" concorrerem às eleições com aval da Justiça.

Ora, a Lei da Ficha Limpa é o clamor da cidadania pela ética na vida pública. O Brasil não suporta mais a imposição de um modelo de governança carregado de cinismo e corrupção. Uma onda irrefreável de decência, apoiada na força de quase 2 milhões de assinaturas, varreu a Praça dos Três Poderes, em Brasília. E o que parecia impossível ganhou contorno de realidade. O Congresso Nacional se rendeu à explícita vontade da sociedade e aprovou, sem maquiagens, a Lei da Ficha Limpa.

É essencial que o Judicário esteja à altura da indignação social. Em nome do amplo direito de defesa, importante e necessário, a efetivação da justiça pode acabar numa arma dos poderosos e numa sistemática frustração da sociedade. Não é possível, agora, que o Supremo Tribunal Federal decida de costas para a cidadania. O que deve prevalecer é o espírito das leis, não o mero formalismo jurídico. É preciso, uma e outra vez, refletir sobre os riscos de um fornalismo interpretativo, de um apego à filigrana jurídica que supervaloriza a letra da lei, em detrimento de seu espírito, acabando por cercear, tolher e manietar a legítima aspiração de limpeza política que grita na alma e no coração de cada brasileiro.

A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Supremo Tribunal Federal, instituição exemplar ao longo da História deste país, não decida na contramão da cidadania. É preciso que a sociedade civil, os juristas, os legisladores, você, amigo leitor, e todos os que têm uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública façam chegar ao STF, com serenidade e firmeza, um clamor contra a impunidade e uma defesa contundente da Lei da Ficha Limpa. Com ela subiremos ao patamar de decência e civilidade que o Brasil merece.

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Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). difranco@iics.org.br

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