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STF fechou 2020 com o menor acervo de processos dos últimos 20 anos
Fachada do STF.| Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF

Tenho respeito pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de instituição essencial para o bom funcionamento da democracia. Conheço alguns de seus ministros e tenho especial apreço pelo atual presidente, Luiz Fux. Seu discurso de posse foi uma peça promissora. Foi claro no seu apoio ao combate à corrupção, na sua explícita desconformidade com o ativismo judicial, no seu deferente respeito pela independência e legítima autonomia dos Poderes da República e no seu renovado compromisso com a liberdade de imprensa e de expressão. Mas uma andorinha só não faz verão. Infelizmente. A demolição da Operação Lava Jato está aí para confirmar minha realista desilusão.

Desvios quando não corrigidos costumam acabar mal. Minha observação se refere ao inquérito das fake news, um grave abuso jurídico em todos os sentidos, aberto em março de 2019 por iniciativa do então presidente do STF Dias Toffoli sem alvo específico, sem fato específico, como seu relator -o ministro Alexandre de Moraes- designado a dedo em vez de sorteado, e no qual o Supremo é vítima, investigador, acusador e juiz. Algo jamais visto.

O ministro Marco Aurélio Mello, atual decano da Corte, achou, então, “seríssima” a forma de escolha do relator. Mello considerou o inquérito “natimorto” por ter sido aberto por iniciativa do próprio STF, à revelia da Procuradoria Geral da República. “No Direito, o meio justifica os fins, jamais o fim justifica o meio. O Judiciário é um órgão inerte, há de ser provocado para poder atuar. Toda concentração de poder é perniciosa”.

Marco Aurélio foi profeta. Desde o seu início o inquérito serviu para quase tudo. Fundamentou atos de censura à imprensa, a busca e apreensão na residência de pessoas que levantaram hashtags contrárias ao trabalho do Supremo, o bloqueio de contas nas redes sociais, prisões, etc.

O mais recente caso de excessos arbitrários dentro deste inquérito foi a prisão em flagrante, na noite de terça-feira, dia 16, do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) após a publicação de um vídeo contendo pesados ataques a vários integrantes do STF.

Alexandre de Moraes, em sua decisão de terça-feira, omitiu qualquer referência a respeito da imunidade parlamentar garantida no caput do artigo 53 da Constituição: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É exatamente o caso que comentamos: uma opinião, certamente grotesca e ofensiva, mas que não pode justificar a prisão do parlamentar. Trata-se de uma aberração jurídica e de claro autoritarismo judicial.

A prisão é uma clara e inequívoca violação da imunidade parlamentar. Alexandre de Moraes se equivoca inclusive quando afirmou, durante o julgamento em que o plenário do STF manteve a prisão, que “atentar contra as instituições, contra o Supremo, contra o Poder Judiciário, contra a democracia, contra o Estado de Direito não configura exercício da função parlamentar a invocar a imunidade constitucional do artigo 53, caput. As imunidades surgiram para a preservação do Estado de Direito”. Tal observação faz sentido no caso de atos concretos, mesmo quando cometidos por um parlamentar, mas não no caso de “opiniões, palavras e votos”.

É óbvio que o vídeo do deputado, com termos pesadíssimos, contém farto material ofensivo que, por óbvio, configuram crimes contra a honra. É evidente que Silveira não pode ficar impune. Ao contrário, exige firme e rápida atuação do Conselho de Ética da Câmara, pois não há a menor dúvida de que se trata de quebra de decoro parlamentar. Uma eventual cassação do mandato não significaria qualquer medida abusiva. Seria uma medida legal, ao contrário de tudo o que vem sendo feito no abusivo, arbitrário e autoritário inquérito das fake news.

Não se combatem fake news com censura, limitações à liberdade de expressão e prisões arbitrárias e ilegais. Quem vai dizer o que podemos ou não consumir? Quem vai definir o que é ou não fake news? O Estado? O ministro Moraes? Transferir para o Estado a tutela da liberdade é muito perigoso. E já estamos sentindo a garra do autoritarismo. fake news se combatem não com menos informação, mas com mais informação, e informação mais qualificada.

A providência adotada pelo ministro Alexandre de Moraes, e referendada pelo plenário do STF, representa uma bofetada na Constituição que juraram defender. O artigo 53 é claríssimo.  Impossível piruetas interpretativas. O deputado, de fato, foi grotesco e ofensivo. Pode e deve ser processado por crime contra a honra. Pode perder o mandato, mas ao prender o deputado o Supremo decidiu de costas para a Constituição. E sequer pediu a necessária autorização da Câmara. A gravidade da decisão tem sido apontada por renomados juristas e estudiosos do Direito.

Se a Corte Suprema se dá ao luxo de abandonar não meras regras processuais, mas princípio basilares da Justiça, impõe não uma vitória contra o erro, mas uma derrota ao Estado de Direito Democrático. Foi o AI-5 do Supremo. Luz amarela acesa. Onze homens são donos do Brasil. Democracia em risco. Tempos sombrios.

Carlos Alberto Di Franco é jornalista.

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