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Restaurantes Curitiba
Ruas de Curitiba. Imagem ilustrativa.| Foto: Guilherme Grandi/Gazeta do Povo

Na semana passada, ao conceder uma entrevista, o ministro Paulo Guedes disse que o governo deve anunciar uma medida que vai permitir cobrar imposto sobre a renda em razão da valorização dos imóveis declarados. Pelo que entendi, a cada ano haveria um imposto a ser pago, “cerca de 3% a 4%”, disse ele, sobre a valorização de cada imóvel dos contribuintes pessoas físicas. Assim, por exemplo, caro leitor, se de um ano para outro seu imóvel valorizar em R$ 100 mil, você deverá pagar R$ 3 mil ou R$ 4 mil a título de imposto.

Esqueceram de avisar o ministro que essa ideia, além de impraticável, é inconstitucional.

É impraticável porque a suposta base de cálculo – a valorização imobiliária – deveria ser apurada caso a caso. Se nem os municípios conseguem manter uma base de dados atualizada para fins de IPTU, como conseguiria fazê-lo a Receita Federal para cada imóvel existente no país? Como se apurar isso no caso de imóveis financiados? E se posteriormente houver doação do imóvel pelo valor constante da declaração de bens e direitos, como fica a apuração do ganho de capital por parte de posterior venda pelo donatário, visto que parte do valor do imóvel já foi tributada por alíquotas menores que as vigentes, e esse valor agora aumentado será considerado como custo para este último? Isso apenas para citar algumas complexidades que rapidamente me ocorrem.

Além disso, a proposta é inconstitucional. Uma tal tributação ofenderia o princípio da realização da renda, corolário lógico, nesse raciocínio, do princípio da capacidade contributiva. A realização da renda é uma baliza constitucional que, no caso do imposto sobre ganho de capital das pessoas físicas, significa “entrada de dinheiro”, algo que não acontece com a simples valorização imobiliária não seguida de venda do imóvel. Se o contribuinte do imposto sobre a renda não auferiu “dinheiro” proveniente da venda do bem, não tem capacidade contributiva para pagar o imposto sobre o ganho de capital.

Aliás, desde sempre a apuração do ganho de capital nas vendas a prazo é feita de acordo com os vencimentos das parcelas, ou seja, o imposto é devido na medida em que o contribuinte as recebe. Se na efetiva venda – “entrada de dinheiro” – a tributação é diferida para as datas de recebimentos das parcelas, por que agora ter-se-ia de antecipar imposto sem haver recebido nada, uma vez que não há venda?

Observe, caro leitor, que, quando há venda, tem-se o exato valor pelo qual o bem foi negociado, em vez de presunções de valor de mercado que decerto balizariam essa proposta indecorosa do ministro. Aí, sim, pode-se aferir se de fato houve valorização e, consequentemente, ganho de capital tributável.

Bem a propósito, nesse ponto do raciocínio, é a assertiva de que valorização imobiliária, por si só, não é fato gerador do imposto de renda. Somente o será se houver venda somada ao fato de se computar, no valor desta venda, tal valorização. Há casos em que o contribuinte necessita vender o imóvel por valor menor porque necessita do dinheiro e, portanto, não realiza a valorização imobiliária experimentada. Há casos, ainda, de queda de preços dos imóveis e até abandono deles, como o conhecido fato da construção do Elevado Costa e Silva, em São Paulo.

Além do mais, como ficaria a correção monetária do valor do custo, regra hoje vigente e bastante justa, pois afasta a tributação sobre aquilo que não constitui valorização, e sim decorre de mera atualização monetária do valor investido?

Espero que a desastrada ideia não vingue, pois do contrário teremos mais uma inconstitucionalidade no sistema tributário brasileiro a ser corrigida pelo caminho do Poder Judiciário. Se de fato a ideia for adiante, há ainda a esperança de contar com uma barreira no Congresso. Em todo caso, melhor seria engavetar uma proposta indecente como essa!

Dalton Dallazem é especialista em Tributação Internacional, doutor em Tributação pela Florida University e em Tributação Doméstica pela UFPR.

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