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O Japão há décadas possui um programa sério de preparação para desastres. Não ocorre o mesmo em nosso país

"Um desastre é uma função do processo de risco. Resulta da combinação de eventos perigosos, condições de vulnerabilidade e insuficientes medidas ou capacidade para reduzir as consequências negativas potenciais do risco" – segundo o Programa das Nações Unidas para o Desen­­­volvimento-PNUD.

Terremoto com magnitude 8,9 no Japão, deslizamentos e cabeças d’água na região serrana do estado do Rio de Janeiro, deslizamentos na Serra do Mar e inundações nos pequenos municípios de Morretes e Antonina. Qual a relação entre estas tragédias?

Estamos acompanhando penalizados o sofrimento das comunidades próximas e distantes, atingidas por processos perigosos naturais neste ano, que mal começou.

Cessam aí as semelhanças.

O Japão há décadas possui um programa sério de preparação para desastres. Recursos financeiros, logística, regulamentos, educação da sociedade e investigação científica são mobilizados para que a sociedade esteja protegida na ocorrência de processos naturais perigosos.

Não ocorre o mesmo em nosso país. Aqui, ao invés de reconhecer a possibilidade de situações de perigo e agir para evitá-las ou para enfrentá-las com o menor prejuízo possível, fingimos que elas não existem. Repetimos bobagens como "O Brasil é protegido|" ou "aqui não temos desastres".

Ficamos surpresos e até indignados com os mais de 800 mortos e bilhões em prejuízos já contabilizados na região de Teresópolis e Nova Friburgo (RJ), como resultado de uma tempestade. Assistimos, entristecidos, às cidades litorâneas do Paraná enfrentando inundações generalizadas e às rodovias BR-376 e BR-277 interrompidas por uma chuva mais persistente.

Mas que lições aprendemos? O que mudaremos para o futuro?

Se a história se repetir, nada mudará. A cada acidente maior haverá sobrevoos de autoridades, informando a liberação de alguns milhões de reais. Meses depois, talvez anos, nada terá mudado para as populações atingidas. Não se investirá para estudar o desastre, buscando melhorar a resposta no futuro. Provavelmente os eventuais recursos serão distribuídos com forte influência de interesses políticos ocasionais. Se repetir o passado, no futuro os desastres continuarão a ser geridos por administradores improvisados, com boa vontade, mas sem experiência ou preparação profissional específica para essa tarefa.

Para mudar, a receita é simples, mas exige trabalho, investimento e continuidade. Primeiro é necessário reconhecer que o problema existe. A nossa sociedade sofre a cada ano com os prejuízos causados por deslizamentos, inundações, secas, tempestades e outros processos naturais perigosos.

Depois é preciso conhecer os processos perigosos, o que exige investimento em pesquisa científica especifica por prazos médios a longos. Exige recursos para apoio a centros de investigação e implantação de estações de coleta de dados.

Com base nesse conhecimento é necessário agir em várias frentes para prevenir e preparar a sociedade para enfrentar esses processos perigosos.

A legislação de uso do solo e os padrões construtivos necessitam modificações para se adequarem a mapeamentos de risco geológico em escala conveniente. Devemos desenvolver programas de educação para enfrentar desastres, inclusive para as crianças. As práticas de governo têm de ser responsáveis em longo prazo, evitando as soluções emergenciais provisórias, que prolongam eternamente os problemas. Os responsáveis pela defesa da sociedade devem ser profissionais especializados e permanentes, que não mudem a cada governo.

Faz parte deste processo de melhoria elegermos representantes capazes de tratar dos nossos interesses de forma responsável, com o único propósito de evitar perdas de vidas e prejuízos para a população. Não posso deixar de lembrar quantas pessoas sofreram prejuízos, ou até mesmo morreram, ocupando encostas ou planícies de inundação, que candidatos a cargos públicos prometeram "legalizar" se eleitos.

Podemos melhorar reduzindo vítimas e danos, mas temos de estudar a lição e aplicar o que aprendemos em cada experiência, para que a próxima seja melhor. E não tenhamos dúvida, haverá a próxima.

Renato Eugenio de Lima, geólogo, é diretor do CENACID/UFPR – Centro de Apoio Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná, Integrante da equipe UNDAC de Coordenação e Avaliação de Desastres da ONU.

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