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O cão que não late após a crise financeira

Taxas de juros vêm caindo em vários países, refletindo o risco global de deflação que, ao contrário da inflação, se caracteriza por queda generalizada nos preços. Após a crise financeira de 2008/2009, diversos países vêm enfrentando persistentes níveis baixos de inflação. Recentemente esses níveis têm sido cada vez menores, trazendo o risco de deflação para muitos países. O risco de manutenção de inflação muito baixa e deflação atinge o mundo inteiro, incluindo EUA, Europa, China, Austrália, Canadá e Coreia do Sul.

Depois de a inflação atingir 0,5% em maio, o Banco Central Europeu (BCE) finalmente decidiu alterar a política monetária com medidas que entraram em vigor no dia 11 de junho. Dentre as medidas tomadas, tem-se que a taxa de juros foi cortada de 0,25% para 0,15%, o juro de remuneração dos depósitos dos bancos nos cofres do BCE passou de 0% para -0,1% (o que fez do BCE o primeiro dos principais bancos centrais da história a cobrar taxa negativa), e a taxa para financiamento de emergência desceu de 0,75% para 0,4%. Com tais medidas, o BCE tenta ajudar as pequenas e médias empresas com empréstimos baratos de longo prazo para bancos que apoiam essas empresas, além de tentar aumentar liquidez, ampliando o período o qual os bancos podem tomar empréstimos do BCE.

Leia a opinião completa de Mauricio Vaz Lobo Bittencourt, pós-doutorando na Ohio State University (EUA) e líder do grupo de pesquisa Núcleo de Economia Internacional e Desenvolvimento Econômico (Neide/UFPR) do CNPq, é professor do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR.

A ciência econômica possui escolas com as mais variadas definições do que é inflação e deflação. De modo geral, a população e boa parte dos economistas entendem inflação como aumento geral do índice de preços. Essa definição não ajuda a entender o que cria inflação de verdade, mas apenas sua consequência, que é o aumento do custo de vida. Os preços de um mercado estão vinculados a uma moeda. Somente essa moeda tem a força de interferir na generalidade de preços, sendo raríssimos os casos em que a escassez e utilidade de outro produto qualquer conseguirão interferir no mercado de maneira global. Podemos dizer, então, que a inflação é um fenômeno monetário.

Uma moeda é um bem econômico por ser escasso. Quanto mais escassa a moeda, mais tende a se valorizar. Quanto menos escassa e mais comum, mais desvalorizada ela é. Governos costumam desvalorizar moedas expandindo a base monetária, ou seja, criando dinheiro do nada, com duas finalidades: usar esse dinheiro novo para pagar contas públicas; e aumentar a oferta de crédito no sistema bancário para consumo popular.

Com isso, o governo consegue bancar uma política fiscal perdulária e aumentar o nível de consumo do povo, ainda que à custa da poupança interna de quem se esforça para consumir de maneira sustentável, pois esse dinheiro novo ganha seu valor em cima da desvalorização do dinheiro velho que está na mão da população. Há uma transferência de renda do povo para governo e bancos sem a necessidade de se expropriar dinheiro, sendo verdadeiro confisco disfarçado. No longo prazo, a falta de poupança interna destrói a capacidade de investimento e o aumento da produtividade nacional, gerando desemprego e pobreza. A desvalorização monetária é particularmente benéfica para os exportadores, pois os produtos nacionais se tornam mais baratos para os investidores estrangeiros, e reduz a quantidade de bens disponíveis ao cidadão brasileiro.

A deflação, por outro lado, é a redução da base monetária, ou seja, o governo retira dinheiro do mercado, aumentando seu valor unitário. A deflação acaba funcionando como um transferidor de renda do governo para a população que poupa, mas reduz o acesso ao crédito insustentável em geral, o que pode gerar sensação de pobreza dentro da população e insatisfação política. Por outro lado, uma moeda forte gera aumento da compra de bens importados, seja para fins de consumo, seja para fins de investimento em bens de capital, e força a quebra de investimentos nacionais insustentáveis, cujos recursos serão canalizados em projetos nos quais o país possua maior vantagem comparativa diante de outras nações.

A melhor política monetária, na verdade, seria a deixada em livre mercado, sem interferência de um Banco Central, em um sistema conhecido em economia como "free banking", sem ganhadores e perdedores a priori, o que é uma visão muito distante da realidade brasileira. Na prática, dentro de um sistema não ideal controlado monopolisticamente pelo governo, políticas deflacionárias são custosas para o governo e o perigo para a população seria apenas de curto prazo, enquanto políticas inflacionárias são lucrativas para o governo e muito ruins para a população em médio e longo prazo.

Bernardo Santoro, professor da Uerj e da UFRJ, mestre em Direito, e mestrando em Economia e diretor-executivo do Instituto Liberal.

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