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Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom
Ilustração: Marcos Tavares/Thapcom| Foto:

Por 19 anos, um esquema que envolvia funcionários públicos, políticos e concessionárias de pedágio fraudou os cofres públicos paranaenses, atrasando e eliminando obras rodoviárias. Desvendado pela força-tarefa da Lava Jato na Operação Integração, o conluio criminoso custou mais de R$ 8 bilhões ao contribuinte e, principalmente, a vida de centenas de paranaenses, mortos em estradas que não receberam os investimentos previstos em contrato.

Ao longo desse tempo, o Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) preferiu ignorar problemas apontados por seu próprio corpo técnico, eternizando processos que apontavam indícios graves de irregularidades. Sei disso porque, como funcionário do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), analisei os contratos e os aditivos firmados pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PR) com as concessionárias em conjunto com outros colegas. A desilusão com o destino desse e de outros trabalhos me fez deixar o TCE.

Recentemente, vimos o procurador da República Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa da Lava Jato, afirmar que não encontrou “um aditivo firmado com as concessionárias que tenha sido benéfico à população paranaense”. Autor de um trabalho exemplar desde que atuava na Vara Federal de Jacarezinho, Castor de Mattos disse que todos os aditivos investigados tinham algum tipo de irregularidade. Os problemas apontados com os pedágios pela Integração não são os únicos. A Operação Rádio Patrulha apontou desvios de R$ 8 milhões em contratos para manutenção de estradas rurais. Mais uma vez, o TCE deixou de agir, quando poderia e deveria.

Não podemos mais ignorar que o atual sistema impede os tribunais de contas de cumprirem sua função constitucional.

A aparente indiferença dos conselheiros contrasta com a função institucional dos tribunais e com o que a sociedade espera dos órgãos de controle. Como diz o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas, “os tribunais de contas constituem a primeira trincheira de prevenção e combate à corrupção na administração pública”.

Por que então o TCE-PR não funcionou como tal nos escândalos desnudados pela Operação Integração, pela Rádio Patrulha, pela Quadro Negro, entre tantas outras? O próprio Oliveira dá uma dica: “Os indicados [ao cargo de conselheiro] geralmente são de confiança de governadores, presidentes das Assembleias Legislativas, ou seja, pertencentes aos mesmos grupos políticos.”

Longe de ser uma exclusividade do Paraná, a disfuncionalidade da Corte de Contas virou caso de polícia em estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul.

Para reverter tais situações, é fundamental rever o modelo de indicações para o Tribunal de Contas da União (TCU), dos estados, Distrito Federal e dos municípios. Pelo menos quatro propostas de emenda constitucional tramitam no Congresso sobre o tema.

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A PEC 2/2018, de autoria da senadora Rose de Freitas (Pode-ES), encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, no aguardo de um relator. A proposta pretende eliminar as indicações políticas por meio da profissionalização dos membros das cortes de Contas. Duas vagas seriam reservadas para carreiras técnicas da instituição e as demais demandariam concurso público.

Na CCJ da Câmara está a PEC 329/2013, cujo autor é o deputado Francisco Praciano (PT-AM), e que também coloca fim às indicações políticas nos tribunais, estabelecendo o preenchimento das vagas com eleições entre os membros do Ministério Público de Contas, auditores e representantes de conselhos profissionais de Direito, Administração, Contabilidade e Economia. A proposta estabelece ainda que os conselheiros serão fiscalizados pelo CNJ, ao passo que os membros do MP de Contas serão fiscalizados pelo CNMP.

O texto-base da PEC 22/2017 foi elaborado pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e formalmente apresentado pelo senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). A PEC assegura a maior parte dos assentos aos membros das carreiras técnicas – cinco no TCU e quatro nos outros tribunais. Prevê o fim das indicações livres do chefe do Executivo e a redução das indicações do Legislativo, fixando critérios como: quarentena de três anos afastado de mandato eletivo, não ter sido condenado judicialmente nem ter tido contas reprovadas. A proposta ainda determina que os conselheiros possuam graduação e experiência nas áreas jurídica, contábil, econômica e financeira ou de administração pública.

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Por fim, a PEC 75/2007 apresentada Alice Portugal (PCdoB-BA), amplia a participação dos servidores de carreira na composição do plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), com repercussão nos tribunais de contas estaduais e municipais. De acordo com o projeto, cinco dos nove ministros do TCU serão escolhidos com base nesse critério. Atualmente, são apenas dois. A PEC também estabelece um mandato de três anos para todos os ministros – que hoje permanecem no cargo até a aposentadoria – e cria a Auditoria de Controle Externo no âmbito do TCU e dos tribunais de contas dos estados e dos municípios. A proposta tem o apoio da Federação Nacional das Entidades os Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc).

Nos estados, também há iniciativas nesse sentido. Em São Paulo, a PEC 04/2018, de autoria do deputado Carlos Giannazi (PSol), estabelece critérios de transparência para o tribunal, novos parâmetros para a carreira de auditor, além de reservar a indicação dois terços dos conselheiros para a Assembleia Legislativa.

Há pontos positivos em todos os projetos e eles merecem e precisam ser discutidos com a sociedade. Não podemos mais ignorar que o atual sistema impede os tribunais de contas de cumprirem sua função constitucional. Precisamos de tribunais de olhos abertos.

Homero Marchese é advogado e ex-servidor do Tribunal de Contas. Foi vereador em Maringá e está no seu primeiro mandato como deputado estadual no Paraná.

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