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 | Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Arquivo Gazeta do Povo

Em 2012, quando o novo Código Florestal foi aprovado pela então presidente Dilma Rousseff depois de longas negociações, a sensação de retrocesso foi inevitável. Na última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgaria quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que contestam a legalidade de nada menos de 58 dos 84 artigos que constituem o novo Código Florestal. Três das ADIs em análise foram encaminhadas pela Procuradoria-Geral da República ainda em 2013, mas a decisão do Supremo foi adiada para a próxima semana.

A longa queda de braço que antecedeu a aprovação começou em 2008, com o decreto que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, dando origem a uma série de reviravoltas que resultou no novo código. Diversos trechos da lei que pareciam criados com o objetivo de proteger a biodiversidade do país eram abrupta e precipitadamente transformados (ou subvertidos) em textos absurdos, como a emenda que anistia os crimes de desmatamento até 2008 e abre um perigoso precedente. Se houve perdão para o desmatamento uma vez, pode haver novamente e, nesse caso, derrubar nossas florestas nativas compensa.

41 milhões de hectares de vegetação nativa no país ficaram desprotegidos

O Código Florestal é uma das leis mais importantes do Brasil, já que estabelece as regras para a exploração da vegetação nativa no país mais rico do mundo em biodiversidade. A Lei Federal 12.651/2012, que passou a ser chamada de novo Código Florestal, ainda está em fase de implantação, devido ao limbo jurídico gerado pela demora no julgamento das ADIs. Com a nova lei demos claramente um passo atrás no que diz respeito aos dispositivos de proteção ambiental, que afetam a segurança hídrica, climática, alimentar e energética do país. Essas condições podem trazer perdas irreversíveis para o desenvolvimento econômico e para a qualidade de vida dos brasileiros.

Na prática, a flexibilização da legislação ambiental anterior e o perdão aos responsáveis pelo desmatamento deixaram desprotegidos 41 milhões de hectares de vegetação nativa no país, mais de duas vezes a área do estado do Paraná. O dado, revelado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), assusta por si só. Os dispositivos para proteção da vegetação nativa tornaram-se tão frágeis com a aprovação da lei que hoje é possível que plantas exóticas (que não pertencem à flora original da região) sejam usadas para recompor áreas de Reserva Legal (RL).

O ataque às RLs, aliás, também agrava a situação dos biomas mais raros do país, como a Mata Atlântica. A nova legislação abre mão da necessidade de Reserva Legal em áreas de menor extensão, o que representa um enorme prejuízo em áreas mais densamente ocupadas, onde diversos ecossistemas ameaçados resistem, a exemplo das pequenas áreas de Floresta com Araucária e Campos Naturais em bom estado de conservação no Paraná.

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Em meio ao grande retrocesso de nossas leis ambientais, algumas mudanças foram, de fato, avanços tecnológicos. A implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), por exemplo, atualiza a legislação anterior, criando uma ferramenta efetiva de gestão ambiental de imóveis rurais que permite leituras sobre a condição de cada propriedade.

O recuo vem justamente quando o Brasil vinha adotando leis mais responsáveis para a conservação dos recursos naturais, com alguns avanços significativos nas últimas décadas e a assinatura de compromissos internacionais como o Acordo de Paris e o Protocolo de Nagoya. A pouca compreensão dos problemas ambientais e a pressão política de grandes grupos econômicos tem forçado a redução nas garantias de proteção da biodiversidade, um patrimônio de todos os brasileiros. Somente um debate realista e independente sobre a importância dos recursos naturais para a população e para a economia pode assegurar um futuro próspero para todos.

Liz Buck Silva, engenheira florestal, é coordenadora técnica da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
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