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Desde janeiro, mais de 1.500 pessoas morreram afogadas no Mediterrâneo, tentando migrar de países da África e do Oriente Médio para a Europa. São mais mortos do que no Titanic, o pior naufrágio da história em tempos de paz. A tragédia humanitária é fruto de uma sucessão da crises: guerras civis e pobreza extrema em diversas nações, esbarrando na forte rejeição da União Europeia a acolher mais refugiados ou outros imigrantes.

A prolongada recessão que a maioria dos países europeus enfrenta ao longo desta década agravou sentimentos de xenofobia e ódio a estrangeiros pobres. Pesquisa da Pew indica que 86% dos gregos, 80% dos italianos, 57% dos franceses, 55% dos britânicos e 44% dos alemães querem menos imigrantes em suas nações. O tema se tornou um potente combustível para estimular partidos extremistas, que têm obtido votações expressivas – chegaram em terceiro na eleição britânica de maio e são os favoritos para vencer a próxima disputa presidencial na França.

Não há solução para as políticas migratórias da Europa no curto prazo ou para as crises na África e no Oriente Médio

Se a União Europeia quer fechar portas, do outro lado do Mediterrâneo há países que concentram as piores crises de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Só na Síria, 11 milhões de pessoas tiveram de deixar seus lares fugindo do conflito armado que se arrasta desde 2011. A situação também é grave em nações africanas mergulhadas na guerra civil e/ou ditaduras muito violentas, como Eritreia, República Centro-Africana, Sudão do Sul.

A Líbia é um caso à parte. Em 2011, diversos países da União Europeia e os Estados Unidos intervieram na guerra civil por meio de ataques da Organização do Tratado do Atlântico Norte contra as tropas de Muamar Kadafi. O ditador foi morto no confronto, mas seus inimigos falharam em construir um sistema político estável. O resultado é novo conflito armado, com dois governos disputando o controle do país e inúmeras milícias e quadrilhas em poder de pequenas cidades ou de bairros nos maiores centros urbanos. O caos transformou a Líbia na principal área de ação dos traficantes de pessoas, que usam seu território para embarcar migrantes para a Europa.

Em 2014 a União Europeia suspendeu a bem-sucedida operação Mare Nostrum, que tinha resgatado mais de 30 mil pessoas no Mediterrâneo. Ela foi cancelada devido a cortes de custos e disputas orçamentárias entre os vários países europeus. Sob pressão da opinião pública internacional, os líderes da UE retomaram as patrulhas em busca dos barcos de migrantes, mas em pequena escala. Pelos acordos internacionais, todos têm direito de pedir asilo se estiverem sob perseguição, mas os governos não são obrigados a concedê-lo. Apenas devem evitar repatriar as pessoas para Estados onde possam ser vítimas de represálias.

Não há solução para as políticas migratórias da Europa no curto prazo ou para as crises na África e no Oriente Médio que impulsionam as pessoas a fugir dessas regiões, mas independentemente disso é necessário que haja ações para responder à tragédia humanitária no Mediterrâneo. O principal porta-voz dessa urgência tem sido o papa Francisco, em particular em seu discurso na ilha italiana de Lampedusa, próxima da costa norte da África. Francisco disse que as mortes dos migrantes são indignas de seres humanos e conclamou os governos à solidariedade.

Maurício Santoro, doutor em Ciência Política pelo Iuperj, é professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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