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Em 1977, a Philadelphia Storage Battery Company (Philco) lançava o primeiro videogame do Brasil, o Telejogo, vendido por 1,6 mil Cruzeiros – cerca de R$ 1.150 em valores atualizados. O console, que contava com apenas três jogos, variantes do saudoso “Pong”, abriu o mercado nacional para esse novo setor. Trinta anos depois, mesmo sob grandes debates e questionamentos sobre sua utilidade (e periculosidade), os jogos eletrônicos se consolidaram como uma prática cultural comum do brasileiro.

Porém, mais que uma atividade recreativa ou educacional, o setor tem chamado atenção por seu excelente desempenho econômico. Segundo levantamento da PWC, o gasto com games no Brasil chegou a US$ 670 milhões em 2016. A projeção é que esse valor aumente para US$ 1,4 bilhão em 2021, com crescimento médio anual de aproximadamente 17%. Seguindo a tendência global, grande parte das receitas é impulsionada pelos jogos para dispositivos móveis. De acordo com a Newzoo, o país já é o 13º maior mercado consumidor no mundo em termos de faturamento, o segundo da América Latina (atrás do México), com previsão de US$ 1,7 bilhão este ano. A Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames) informa que o número de desenvolvedoras de jogos nacionais passou de 43, em 2008, para 300, em 2017.

É a política pública que pode transformar estruturas e elevar a novos patamares qualitativos o setor

Este cenário positivo também é verificado no resto do mundo. Estimativas da Newzoo e PWC indicam que o mercado global de jogos eletrônicos terá movimentado cerca de 109 bilhões de dólares em 2017, um crescimento de quase 8% sobre o ano anterior. O seguimento mais lucrativo é o de mobile, ou seja, aquele voltado para smartphones e tablets, já representando 42% de todo o mercado.

Algumas pesquisas indicam que o mercado de jogos eletrônicos fatura mais que o de cinema e música juntos, além de mostrar bons índices de empregabilidade e remuneração. Some-se a isso o seu baixo impacto ambiental, tornando-o uma aposta de desenvolvimento sustentável.

A despeito desse potencial, não há no Brasil uma política pública estruturada para o desenvolvimento da indústria de jogos eletrônicos. Existem, sim, boas iniciativas como o “Projeto Setorial de Exportação Brazilian Game Developers”, patrocinado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil); a linha de financiamento BNDES-Pro Cult, do Banco Nacional do Desenvolvimento; os editais de investimento da ANCINE, FINEP e SP-Cine; e o mecenato da Lei Rouanet. Todavia, não se verifica uma ação sistemática, que considere as peculiaridades e necessidade dos diversos seguimentos que compõem essa cadeia produtiva. Isso vale para os três âmbitos da Federação, que podem contribuir de maneira complementar dentro de suas competências.

Em 2014, o BNDES deu um importante passo com o lançamento das publicações “Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais” e “Proposição de Políticas Direcionadas à Indústria Brasileira de Jogos Digitais”, ajudando a situar o debate. Neste último documento, sugeriram-se alguns caminhos de políticas, a saber: prêmios e concursos; ampliação de formas de financiamento e subvenção; programas de avaliação por especialistas da viabilidade de protótipos; implementação de instrumentos de aproximação entre desenvolvedores e aceleradoras, distribuidoras e investidores; criação de cursos e ações de formação e capacitação, entre outros.

Do mesmo autor: Lei Rouanet: acertos e problemas (artigo publicado em 29 de setembro de 2017)

Nossas convicções: A finalidade do Estado e do governo

De fato, os instrumentos de apoio e fomento são diversos. A experiência internacional nos oferece diversos exemplos de formas de atuação do Estado sobre o setor – com maior ou menor grau de intervenção. Nossa contribuição aqui é destacar um ponto que parece ser transversal a qualquer medida a ser adotada: a propriedade intelectual.

O cerne do valor econômico, social e cultural dessa indústria está nos seus talentos humanos e nas criações por eles produzidas, ou seja, em seus ativos intangíveis. Os jogos eletrônicos e cada um de seus elementos, por exemplo, os desenhos, músicas, história, personagens e código-fonte, são protegidos por normas de propriedade intelectual. Em outras palavras, garante-se ao titular dos direitos de propriedade intelectual a prerrogativa exclusiva de usar, fruir ou dispor de seu bem. Se por um lado, isso gera maior segurança à exploração econômica dos jogos pelos agentes dessa cadeia, por outro, gera conflitos inevitáveis em termos de acesso, inspiração e plágio, segredos empresariais, marcas etc.

A boa gestão de propriedade intelectual se inicia com a idealização do projeto e passa por toda a cadeia produtiva até exploração efetiva do jogo e seus derivados. Entretanto, nem sempre o ordenamento oferecerá respostas claras e categóricas sobre as questões do setor. Imagine-se, por exemplo, o desenvolvedor que pretender custear sua produção por meio de uma plataforma de financiamento coletivo (crowdfunding): como proteger sua ideia contra cópias se sequer há um protótipo? Afinal, há um bordão conhecido de que ideias não são tuteladas no direito. Como fazer então? Evidentemente, o advogado desempenha um papel importantíssimo na construção de arranjos jurídicos (contratuais, tributários, trabalhistas etc.) para o florescimento dessa atividade e solução de tais dilemas – inclusive como aconselhador estratégico.

Contudo, é a política pública que pode transformar estruturas e elevar a novos patamares qualitativos o setor. Considerar a propriedade intelectual em políticas públicas para jogos eletrônicos envolve pensar em ambientes propícios à promoção da criatividade e inovação, à exploração de novos negócios, à proteção do mercado nacional e, claro, à capacitação dos agentes sobre esse mesmo tema.

Não basta uma ideia na cabeça e um mouse na mão. É preciso investimento em infraestrutura e, sobretudo, em talentos. Apostar no setor de jogos, assim como em outros ramos da economia da cultura, é apostar em nós mesmos, em nossas capacidades criativas e humanas de transformar o presente. Não deixemos passar essa oportunidade para ficarmos na periferia tecnológica de uma prática tão valiosa e tão amada como esta.

Nichollas de Miranda Alem, advogado especialista em direito do entretenimento, é mestre em Direito Econômico pela USP e presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes.
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