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Em meio a um mar de dúvidas e incertezas, entrou em vigor em 16 de janeiro a lei que instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), objetivando a repatriação de recursos, bens e direitos remetidos ou mantidos no exterior e não declarados regularmente. A medida faz parte do ajuste fiscal pretendido pelo governo central, com propósito de arrecadar mais impostos e tentar reduzir o enorme rombo nas contas públicas causado por sua própria culpa.

Brechas e benesses no texto legal têm gerado inquietação quanto à sua efetividade. O primeiro requisito para realizar a repatriação de recursos, bens ou direitos mantidos no exterior em períodos anteriores a dezembro de 2014 é que tais ativos tenham origem lícita e assim o declare seu titular ou proprietário. A declaração deve ser acompanhada de documentos e informações sobre a identificação, titularidade e destinação dos ativos que se pretenda repatriar. Os ativos a que se refere a lei não se limitam a recursos financeiros, mas contemplam também propriedades imobiliárias, ações e quotas de empresas, aeronaves, embarcações e por aí afora. Excluem-se joias, obras de arte e antiguidades de valor histórico.

Não está descartada a possibilidade de arguição de inconstitucionalidade da lei perante o STF

Podem se valer da repatriação cambial tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas, indistintamente. Os bens declarados não precisam ser trazidos de volta para o Brasil, podem lá permanecer, ficando legalizados e, daí em diante, declarados anualmente, inclusive no sistema Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), do Banco Central. Note-se que até aí não haverá necessidade de comprovar a origem e licitude dos mesmos. Acontece que a aparente suficiência de uma simples declaração de que os recursos têm origem lícita apresenta certa fragilidade, na medida em que a Receita Federal tem a prerrogativa de rejeitar a regularização cambial, sob o pressuposto de que esta apresenta evidências documentais, abrindo caminho para um processo administrativo ou penal.

Além disso, ao dizer que a declaração da existência de recursos em conta no exterior não pode ser a única fonte para investigações criminais ou tributárias, a lei deixa escancarada a porta para que se instaure uma investigação a partir de qualquer outra fonte, como por exemplo uma denúncia de terceiros ou uma reportagem, quando, sem dúvida, a declaração que for feita deixará de ser a única fonte; isso sem falar em muitas outras formas que podem levar ao mesmo fim.

Outra questão se refere à abrangência da prometida anistia penal e tributária. Ao listar os crimes abrangidos pela anistia, a lei adota o critério taxativo, o que faz com que possam ficar de fora outros crimes ou planejamentos tributários cuja prática esteja eventualmente ligada aos enumerados, como falsidade material, formação de quadrilha e outros eventualmente incorridos, mas não listados ou absorvidos pelas figuras penais indicadas no texto legal.

Também não está descartada a possibilidade de arguição de inconstitucionalidade da lei perante o Supremo Tribunal Federal, na medida em que são previstas possíveis afrontas a normas constitucionais. Quanto ao tratamento tributário aos bens repatriados, a regra é a de que o acréscimo patrimonial decorrente da declaração será considerado ganho de capital e sujeito a tributação pela alíquota de 15%, acrescida de multa de 100% do valor do tributo, totalizando, portanto, 30% do total dos ativos. O valor será calculado pela cotação do dólar em 31 de dezembro de 2014.

De outro lado, não há como olvidar que entrou em vigor em agosto de 2015 o decreto que implementou um acordo entre Brasil e Estados Unidos denominado Foreign Account Tax Compliance Act (Fatca), que contempla a troca automática de informações relativas a contas bancárias entre as instituições financeiras dos países signatários, que sinal já somam dezenas de nações. Isso quer dizer que, a despeito de todas as nuances que a lei de repatriação apresenta, devem aqueles que possuem bens e direitos no exterior não declarados sopesar bem todas as circunstâncias que envolvem cada caso.

Pelo menos parte das incertezas que decorrem do texto legal poderão ser esclarecidas através de instrução normativa que a Receita Federal deverá editar em breve. A minuta foi divulgada em fevereiro e, no último dia 3, encerrou-se a consulta pública a respeito do documento. Por último, a decisão de proceder ou não à regularização cambial deverá passar pela análise das peculiaridades de cada situação, inclusive para verificação de eventuais incidências de outros impostos e contribuições, não só no exterior como também, eventualmente, de tributos estaduais e municipais.

Peregrino Dias Rosa Neto, advogado, é diretor do Centro de Estudos de Direito Empresarial (Cede).
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