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Escultura em uma lápide.
Escultura em uma lápide. Foto: Pixabay| Foto:

A morte é uma certeza para todos, disso ninguém tem dúvida, desde que não seja hoje, nem com a gente ou com aqueles que convivemos.

Quando a morte nos cerca, parece que vivemos algo novo, inusitado e negativo, que não observamos anteriormente e não temos muitas ferramentas emocionais e técnicas para lidar. Falar “meus pêsames” ou “sinto muito” não parece natural. E talvez não seja natural, pois não consideramos o final da vida como uma realidade. Vivemos, atualmente, como se fôssemos imortais.

A morte saiu das nossas casas e passou a ocorrer nas instituições médico-hospitalares

Desde o final do século 19 e início do século 20, houve uma transformação histórico-social: a morte saiu das nossas casas e passou a ocorrer nas instituições médico-hospitalares. Anteriormente, era frequente a família numerosa, com diversas perdas por adoecimento e causas desconhecidas. Morria criança, adulto e idoso. Os velórios aconteciam na sala de estar e eram abertos para a comunidade. A morte era coletiva. Nos dias atuais, as famílias são menos numerosas e o adoecimento tem causa conhecida, é tratado exaustivamente e recebe muitas intervenções médicas. A morte tornou-se uma questão do serviço de saúde e solitária.

Ariès, autor do livro História da Morte no Ocidente, descreveu a visão da morte moderna como interdita, aquela que não se quer falar. O adoecido é frequentemente ocultado e separado da sociedade; fala-se pouco sobre o fim da vida. Os cuidados familiares foram substituídos pelas instituições hospitalares. A morte é sanitária, as formalidades com o corpo são rápidas e o luto discreto. Parece haver uma pressa em desaparecer com a morte e tudo que está relacionado com ela.

Mas, e quando a causa do adoecimento é intratável? Ou quando há tratamento, mas o prognóstico é incerto? Ou é o envelhecimento biológico que ocorre?

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Os cuidados paliativos são as abordagens direcionadas para melhorar a qualidade de vida dos pacientes e familiares que enfrentam problemas associados a doenças potencialmente fatais. A Organização Mundial de Saúde relata que 40 milhões de pessoas necessitam de cuidados paliativos ao redor do mundo e 78% delas vivem em países de baixa e média renda. Os cuidados são preferencialmente ofertados por equipes multiprofissionais e que atuam na prevenção e no alívio do sofrimento, com identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas psicossociais e espirituais.

Engana-se quem acredita que precisa estar morrendo para receber este tipo de atenção. Durante o curso de uma doença, podem-se aplicar seus princípios. Por exemplo, um paciente que recebeu diagnóstico de câncer e faz uma cirurgia, provavelmente terá dor, seja devido ao câncer ou relacionado à cirurgia. Ele deve receber analgésicos e ter o tratamento individualizado. Em paralelo, é possível que faça tratamentos para modificar o curso da doença, como quimioterapia ou radioterapia, ainda com incerteza sobre a cura. E o que impede este paciente e sua família de terem acolhimento de suas necessidades físicas, emocionais, sociais e espirituais durante o tratamento?

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Assim, os cuidados paliativos devem ser indicados junto do tratamento, reduzindo o sofrimento nas várias dimensões do indivíduo e de sua família.

É natural ter medo de morrer, ansiedade imposta pelas incertezas, perda do papel social pelo afastamento do trabalho e a mudança do papel na família, que antes era um membro e agora é reduzido a paciente. Tudo isso associado com sofrimento físico, pode ser intolerável. A assistência à saúde seria melhorada se os profissionais de saúde fossem capacitados para ofertar este acolhimento integral, que financeiramente custa pouco, mas técnica e emocionalmente exigem preparo adequado.

Mas não se pode cobrar aquilo que não é ensinado. Infelizmente, ainda são poucos os médicos que recebem formação básica em cuidados paliativos no curso de medicina. E quando não há formação, o médico e os profissionais de saúde se sentem inseguros. No Brasil, segundo dados da Associação Nacional de Cuidados Paliativos, são apenas 14 cursos de medicina que ofertam disciplinas regulares de cuidados paliativos.

Para mudar este panorama, pode-se atuar na formação acadêmica, mas também na formação continuada dos profissionais que já atuam no mercado de trabalho. É necessário habilitar os profissionais de saúde com técnicas, como prescrição de medicação analgésica e manejo de sintomas desconfortáveis, como por exemplo, os respiratórios e digestivos. Mas também é preciso conhecer a legislação brasileira e a bioética relacionada com a terminalidade.

Não é infrequente o desconhecimento dos profissionais sobre a possibilidade de morte no domicílio, desde que assistida adequadamente. Ainda, a comunicação de más notícias precisa ser treinada, aprimorada e cercada de empatia. Assim como as habilidades técnicas são aprendidas no curso de medicina, a assistência no final da vida também precisa ser ensinada e valorizada.

Afinal, a morte é para todos os vivos, até para a gente, não é mesmo?

Ursula Bueno do Prado Guirro é especialista em Anestesiologia, mestre e doutora em Medicina. Professora de Bioética e Cuidados Paliativos do curso de Medicina da UFPR. É conselheira e integra a Câmara Técnica de Bioética do CRM-PR.

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