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A polêmica em torno da prorrogação da CPMF, tributo de 0,38% sobre os débitos na conta bancária das pessoas e das empresas, não contribuiu para deixar a população devidamente esclarecida sobre os vícios e as virtudes desse "imposto do cheque". A principal função de um tributo é financiar os serviços do governo. A segunda função é alterar os preços relativos, pela elevação da tributação de certos produtos, a exemplo do cigarro e das bebidas alcoólicas, como forma de estimular a redução do seu consumo e dar dinheiro para o governo tratar as doenças que essas drogas causam.

A tributação sobre a população deve obedecer a alguns princípios e seguir determinada lógica econômica. Nos países mais adiantados, o imposto sobre rendas (aluguéis, salários, juros e lucros) é o mais utilizado, pelo fato de que somente haverá tributo se houver produção e renda. Duas outras tributações são comuns no mundo: os impostos sobre o patrimônio e sobre o consumo. Porém, os tributos nunca passam de cinco ou seis tipos diferentes, suficientes para cobrir todo o espectro econômico e estabelecidos em leis simples, estáveis e funcionais.

Já nos países menos ricos e nos mais pobres, entre eles o Brasil, a tributação costuma sair dos trilhos e seguir caminhos tortuosos. Em nosso país há, pelo menos, 60 tributos, suas leis são complexas e confusas, as regras não são estáveis, o sistema tributário não é funcional e o custo de obediência é altíssimo. Além disso, o Poder Judiciário é abarrotado de processos, cuja solução é demorada, cara e inibidora do espírito empreendedor. Temos, ainda, um agravante complicador, que é o fato de subsistirem cinco fiscos sufocando a iniciativa empresarial: A Receita Federal, a Previdência Social, os estados, os municípios e o Ministério do Trabalho.

A CPMF é uma contribuição (o conjunto dos tributos é composto de impostos, taxas e contribuições) que tem vários vícios: a) não é tributo sobre produção, sobre renda ou sobre riqueza; b) incide sobre meras movimentações bancárias; c) é um tributo em cascata, incidindo em todas as etapas da produção de um bem ou serviço.

Embora tenha suas virtudes, elas não são muitas, conquanto sejam relevantes: a) permite que o fisco conheça o movimento de dinheiro de pessoas e empresas, ajudando no combate à sonegação de outros tributos; b) tem baixo custo de arrecadação e fiscalização; c) é praticamente imune à corrupção. Mas o maior problema está no tamanho da mordida do governo. A alíquota de 0,38% sobre cada débito na conta bancária é muito alta para o padrão de renda dos brasileiros, sobretudo se somada aos demais tributos, já que ela incide sobre ricos e pobres igualmente.

Para cumprir a função de fornecer informação ao fisco sobre a movimentação financeira das pessoas físicas e jurídicas, bastaria uma taxa de 0,1% ou menos. A prorrogação da CPMF é condenável porque está sendo feita em função de um único ponto: os 40 bilhões de reais que o governo arrecadará anualmente. Prorrogar a CPMF, de forma isolada e desvinculada de uma revisão na caótica estrutura tributária brasileira, é ruim para a economia nacional, pois, uma vez aprovada a sua prorrogação até 2011, como parece que é o que vai acontecer, o governo não terá interesse em fazer uma reforma tributária ampla e profunda.

O corpo de leis de um país é um bem público e pode atuar como fomento ao crescimento ou pode ser um freio ao espírito de iniciativa das pessoas. Infelizmente, no Brasil, as leis carecem de boa qualidade e elas são fatores de cansaço e desestímulo. Não se tem metodologia precisa para quantificar adequadamente os efeitos deletérios ao sistema econômico da estrutura de leis tributárias. Porém, sabe-se que a capacidade de um mau sistema tributário em frear o crescimento é imensa. Apenas isso já seria suficiente para fazer que o país se dedicasse a replanejar todo o sistema tributário, com a calma necessária para fazer uma boa reforma. Os obstáculos para se levar uma reforma adiante são imensos, mas eles precisam ser enfrentados, como condição necessária para que o Brasil faça parte do clube dos países desenvolvidos em algum momento do futuro.

José Pio Martins é professor de economia e vice-reitor do Centro Universitário Positivo (UnicenP).

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