• Carregando...
 | Robson Vilalba/Thapcom
| Foto: Robson Vilalba/Thapcom

O mundo ocidental moderno carece de grandes lideranças e estadistas. E, como celebramos há poucas semanas o “President’s Day” aqui nos Estados Unidos, nada como resgatar um pouco da biografia daquele que foi o maior estadista de todos, o “pai fundador” da América, homenageado nesta data: George Washington. Tomarei como base a biografia escrita pelo historiador Paul Johnson.

A Revolução Americana foi um dos marcos mais importantes na criação do mundo moderno como o conhecemos. Seu espírito era o amor pela liberdade, o governo representativo e o respeito pelo império das leis, que era legado direto da história britânica. Graças em boa parte às habilidades de Washington, esse espírito foi transferido com sucesso para a nova nação.

A personalidade do principal líder da revolução era um tanto conservadora e prudente, e sua grande ambição era não ser visto como alguém ambicioso. Para Johnson, o primeiro fato importante é que Washington era de ascendência inglesa impecável e veio da classe que ele mais admirava: a nobreza independente que possuía terras.

É importante entender que Washington se via como parte de uma classe dominante que cuidava dos próprios negócios desde sempre, de “tempos imemoriais”, como diziam os ingleses. Qualquer mudança de fora, imposta, era tida como usurpação, e resistir era um dever moral, assim como um autointeresse evidente.

Washington nunca apreciou o conceito da escravidão, pois o considerava moralmente equivocado

Washington não era extremamente culto ou erudito, e John Adams e Thomas Jefferson chegaram a considerá-lo pouco “instruído”. Mas ele acumulou mais de 700 livros em sua biblioteca, lidos e com anotações, e sua educação formal era bastante prática, mas bem assimilada. Como ele tinha o hábito de guardar todas as correspondências e diários, trata-se de um dos personagens históricos sobre quem mais se conhece. E o que emerge é admirável.

Ele foi um soldado e um estadista, mas, acima de tudo, era um cavalheiro dono de terras amplas, e isso era, em certo sentido, tudo o que ele mais desejava ser. Para preservar isso, porém, viu-se na necessidade de sacrificar boa parte de sua vida privada em prol do público. Como ele adquiriu cedo o hábito prático de pensar no longo prazo, esse foi o segredo do sucesso em sua vida, segundo Johnson. Ele não pensava apenas naquele momento presente, mas mirava longe.

As disputas entre França e Inglaterra no novo continente, sempre ignorando os interesses daqueles que nele viviam, fez com que o jovem Washington se desse conta de que somente a independência poderia preservar os interesses dos americanos. Nas expedições militares de que participou naquela época, ele aprendeu a importância de recuar eventualmente, para sobreviver e lutar outro dia.

Sua ascensão na hierarquia militar foi bem meteórica, mas esbarrou no limite imposto pela tradição da nobreza inglesa, que impedia voos mais altos de um americano. Se os militares britânicos tivessem mais visão, poderiam ter feito uma exceção e tornado o jovem coronel da Virgínia um líder regular do Exército britânico. Talvez assim Washington tivesse lutado para preservar o império, não para dividi-lo.

Do mesmo autor: O Iluminismo britânico e a sociologia da virtude (29 de junho de 2017)

Na época em que viveu, a servidão era tida como um dado, um fato da natureza. Ainda assim, Washington nunca apreciou o conceito da escravidão, pois o considerava moralmente equivocado. Com o passar dos anos, passou mesmo a detestá-lo e, apesar de tratar bem seus escravos, decidiu libertá-los após a morte de sua esposa.

Vários negros serviram de forma leal ao seu comando militar, e Washington achava abominável tratar seres humanos como gado. Também achava economicamente ineficiente, e via o modelo das plantations para produção de tabaco, totalmente dependente dos escravos, como ultrapassado. A agricultura era sua paixão, e ele tinha ideias mais avançadas para o cultivo de vários produtos distintos.

Não ter sido capaz de conquistar a abolição oficial durante seu governo talvez seja seu maior fracasso, mas era necessário ser pragmático e atrair os sulistas para a formação da nação incipiente. Esse embate só seria resolvido décadas depois, numa sangrenta guerra civil.

Ao contrário de outros “pais fundadores”, que terminaram seus dias em dívidas, Washington era prudente e nunca teve mais dívida do que ativos. Mesmo abandonando sua vasta propriedade por duas vezes, em períodos de oito anos cada, para servir a nação, Washington deixou uma herança de meio milhão de dólares quando morreu, fazendo dele um dos americanos mais ricos daquele tempo. Ele não enriqueceu na política, como tantos políticos modernos, mas apesar dela.

Leia também:A integração americana de José Bonifácio e a do Foro de São Paulo (artigo de Rafael Nogueira, publicado em 7 de janeiro de 2017)

Após a vitória militar contra os britânicos, e o sentimento negativo da política, houve conversa sobre abolir o Congresso e adotar um governo forte, colocando Washington como uma espécie de rei ou ditador, como Napoleão faria poucas décadas depois na França. Em um de seus maiores momentos, Washington rebateu em carta tal ideia com severidade, espantado com a simples menção do projeto, e exortando seu defensor a nunca mais comunicar sentimentos desta natureza. Ele tinha provavelmente condição de ser rei, mas não tinha a menor ambição, e não foi para isso que lutara.

Quando o governo da Virgínia decidiu doar 10% de ações de uma empresa ao general, por seus serviços públicos prestados, isso gerou constrangimento a Washington, que acreditava na separação entre o público e o privado. Mas, como não queria ser deselegante com o povo, um acordo foi feito: a doação seria destinada a um fundo para educação. Quantos políticos agiriam assim hoje?

Como o primeiro presidente americano, em parte por pressão dos compatriotas, Washington fez uma gestão apartidária, voltada para os interesses nacionais. Seus maiores méritos estiveram ligados à ratificação da Constituição pelos estados, assim como o Bill of Rights, que garantia direitos individuais contra o próprio Estado. Uma América livre, forte e próspera se tornava uma realidade, e muito se deveu ao caráter e à liderança de George Washington.

Ao ler sua história, não parece absurdo o velho e saudosista brocardo: não se fazem mais homens como antigamente!

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]