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Yago Martins e a máfia dos mendigos
| Foto: Pixabay

A polêmica começa com o título desconfortável do livro, que desacomoda nossa zona do conforto: A Máfia dos Mendigos – Como a caridade aumenta a miséria.

As redes sociais explodiram no dia do lançamento – a obra foi acusada de servir ao anticristo. O autor, rechaçado por alas conservadoras e esquerdistas. Uns, alegando falta de cristianismo. Outros, falta de alinhamento social. Nada mais lastimável e inexato, vindo de pessoas que se contentaram em (literalmente) julgar um livro pela capa.

E é nesse tom de provocação que Yago Martins desenvolve a obra que pode se tornar uma das maiores referências de nosso país quando o assunto é sustentabilidade social. Pastor batista cearense, Yago foi além do clichê na pesquisa jornalística e fez o que poucos fazem: colocou a própria pele em jogo.

Durante o ano de 2017, o pastor levou uma vida dupla. Não só ministrava na igreja, dirigia cultos, esforçava-se no lar, dava aulas, fazia pós-graduação e produzia seu conteúdo para a internet, especialmente seu canal no YouTube, mas também emaranhava a barba mal feita e, maltrapilho, frequentava as ruas de Fortaleza como mais um dos milhares entes sem rosto que se refugiam no concreto das grandes metrópoles.

Ler os contos de uma vida na rua, vivida cruamente, não só nos coloca frente a frente com aquilo que é desconhecido para a maioria de nós, mas também nos transforma em espectadores de nossas próprias inseguranças. Quem nunca imaginou a derrocada extrema de perder tudo o que se tem, ter que morar ao léu e viver “da caridade de quem me detesta”? Para Yago, essa experiência foi mais do que imaginativa – teve comprovação empírica.

O mais engraçado, entretanto, é que Yago não atribui um peso gigantesco ao desprivilégio material – concede, sim, a devida gravidade à condição de miserável, sem, contudo, deixar que se depositem ali as maiores fontes de angústia.

Em entrevista sobre o livro para o podcast do Instituto Mises Brasil, onde é especialista, o autor afirma que o mais surpreendente é descobrir, através do extremo, que a falta material não é assim tão dolorosa. Ao contrário. Na rua há roupa em abundância, embora sem opção de estilo. Na rua há comida em abundância, embora sem requinte. Na rua há o torpor confortável de “não pertencer” – não ser visto ou aceito como parte da sociedade ativa e, portanto, não precisar gerenciar os deveres (e direitos) comuns aos seres sociais.

Há um mergulho anestesiante na falta de propósito. E, segundo o autor, essa é a angústia principal do morador de rua.

Não ter sequer a perspectiva de angariar recursos suficientes para uma vida de provisões razoáveis está no pódio das aflições inerentes a estes irmãos, mas não no primeiro lugar.

O campeão da desolação é o sentimento de não ser, efetivamente, alguém. A falta de significado e o adormecimento da vontade são os maiores grilhões de quem mora na rua e já se despersonalizou pela vida dura do andarilho.

Neste contexto, o autor se vale de sua missão teológica e incentiva tanto crentes como ateus a se debruçarem sobre esta tão nobre tarefa – interagir com o desfavorecido, a ponto de deixar em segundo plano a necessidade puramente material do morador de rua e priorizar conscientemente a conexão humana, resgatando o mendigo como cidadão e estendendo-lhe a mão para recuperar, o quanto antes, sua essência social e consciência individual.

Mariana Diniz Lion, advogada pós-graduada em Economia e Ciências Políticas, é especialista do Instituto Mises Brasil.

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